CURSO DE LITURGIA
INTRODUÇÃO
A liturgia é a realidade mais viva e a expressão mais eloqüente da vida da Igreja.
Por intermédio da liturgia, a Igreja enuncia sua identidade reconhecida, sua mesmidade
renovada. Na liturgia, a Igreja faz a experiência do seu ser e do seu existir. A liturgia é a
própria Igreja em sua mais densa relação simbólica com Deus e com a sua identidade. A
liturgia é, e continuará a ser, o símbolo mais rico da vida cristã, a mais original forma de
que os crentes dispomos para falar de salvação que nos foi dada, a esperança que nos
inunda.
O Vaticano II e a reforma litúrgica por ele desencadeada têm sido os principais
motivos de uma nova consciência litúrgica, cuja consolidação está prestes a se produzir.
Os diferentes “movimentos” e “correntes de opinião” litúrgica pós-vaticano
(dessacralização-secularização, socialização-politização, evangelização-catequização,
adaptação-criatividade, simbolismo-festa, intimismo-experiência, ecumenismo-unidade...)
sem dúvida contribuíram para um melhor discernimento, uma maior riqueza de sentido,
das dimensões e exigências da celebração.
Sendo a liturgia ao mesmo tempo “humana e divina” ( SC 2), é importante, em
relação à sua compreensão, estudá-la antes de tudo na palavra de Deus, norma de fé e de
vida, e na tradição que esta palavra transmite integralmente. É importante também um
estudo histórico-genético das formas de celebração litúrgica, para compreender a sua
estrutura e seu significado, e as eventuais degenerações ou enriquecimentos que passou no
decorrer do tempo. Os textos bíblicos e eucológicos usados pela liturgia são a
manifestação mais característica da concepção que a Igreja tem a respeito da liturgia e do
seu mistério. Estes textos exprimem uma determinada visão teológica dos dons da
salvação dos quais a Igreja é portadora, uma teologia litúrgica que é preciso fazer emergir.
Tudo isto deve conduzir à experiência de fé e à vida vivida em coerência com os mistérios
dos quais participamos. A liturgia é uma realidade para ser redescoberta, celebrada e
vivida.
I – O TERMO LITURGIA
O termo liturgia, hoje clássico e consagrado pelo magistério solene, é, no entanto,de uso bastante recente no Ocidente: quase não o encontramos nas atas oficiais da Igreja
antes do século XX.
Na Igreja grega, o termo liturgia tem uma acepção restrita e precisa: designa
exclusivamente a missa e seus diversos formulários. É verdade que para os autores
eclesiásticos dos primeiros séculos, sobretudo no Novo Testamento e nos Setenta, liturgia
significava já de preferência o serviço de Deus, o culto, sem excluir, contudo, sentidos
menos precisos como o de sacrifício espiritual ou serviços de caridade.
A palavra LIT-URGIA tem sua origem do grego clássico e é composta de duas
raízes:
Liet – leos – laos: povo, público – ação do povo, obra pública, ação feita para o
povo, em favor do povo.
Ergomai (ergom): operar, produzir (obra), ação, trabalho, ofício, serviço...
Traduzindo literalmente leitourghía significa: “serviço prestado ao povo” ou
“serviço diretamente prestado para o bem comum”, serviço público.
Antes mesmo de esta palavra ser usada pela Igreja, os gregos a usavam para indicar
qualquer trabalho realizado a favor do povo e sempre realizado pelo povo, em forma de
mutirão, como temos hoje. Então quando abriam uma estrada, ou construíam uma ponte ou
realizavam qualquer trabalho que trouxesse benefício à população, entre os gregos se dizia:
realizamos uma liturgia.
Este sentido primeiro da palavra nos ajuda a buscar o que deve ser hoje a
LITURGIA CRISTÃ em nossas comunidades, sobretudo depois de séculos de história em
que a Liturgia ficou reduzida a uma ação realizada por ministros ordenados (bispo,
padre...) para o povo. Era uma ação em que o povo não tomava parte, apenas “assistia”
como expectador e, muitas vezes, sem compreender o que estava sendo feito.
Graças ao Concílio Vaticano II, realizado há mais de quatro décadas, voltamos ao
sentido genuíno da Liturgia, como AÇÃO do povo batizado e, por isso todo ele
SACERDOTAL, chamado ao louvor de Deus e à transformação e santificação da vida e da
história. Uma ação conjunta em parceria com o próprio Deus, numa dinâmica de aliança e
participação cada vez mais “ativa, consciente, plena e frutuosa”.
1 – Liturgia na cultura grega
No grego clássico, é atestado o uso cultual do nome, pelo menos tardiamente, mas
seu significado normal e técnico é o de serviço público: uma função exercida para
interesse de todo o povo, seja de ordem política, técnica ou religiosa.
Na época helenística, liturgia significava:
Serviço obrigatório a uma pessoa ou classe de quem se recebia algum benefício
(ato social).
Culto religioso. O serviço era prestado aos deuses através de uma pessoa –
sacerdote – em nome da comunidade. Com o passar dos anos, porém, a palavra “liturgia”
vai perdendo o sentido de ação para o público e vai tomando o sentido de culto devido a
Deus. É nesse sentido que a palavra “liturgia" aparece na tradição grega do Antigo
Testamento, até o cristianismo.
2 – Liturgia na Bíblia Sagrada
Antigo Testamento. A palavra “liturgia” no AT aparece mais ou menos 170 vezes
na versão LXX e é tradução dos verbos hebraicos SHERET e ABHAD, que significam:
serviço prestado a alguém, porém com esta diferença:
SHERET: Serviço de dedicação incondicionada por parte de um servo; e de
confiança por parte do patrão.
ABHAD: Serviço honroso, trabalho de escravo. Este verbo deriva da palavra
EHED = escravo, servo. (Liturgia no AT é marcada pelo espírito de escravidão e pela
exterioridade cultual. (cf. Lv 24,1-9).
Porém, as duas palavras na Escritura Hebraica são usadas indiferentemente, seja
para o “serviço” em sentido profano, como para o “serviço” em sentido religioso.
Na tradução dos LXX foram escolhidos termos técnicos para o uso profano e para o
uso religioso. Por exemplo: quando os dois termos se referem ao culto prestado a Javé
pelos sacerdotes e levitas é usada a palavra LEITURGHIA, LEITURGHEIN; quando ao
invés se refere ao culto prestado a Javé pelo povo a palavra era LATREIN, DULIA.
Na intenção dos LXX, a palavra “liturgia” é o termo técnico para indicar o “culto
levítico”, ou seja, uma forma cultual fixada por um “liturgo”- (livro da lei). Esta palavra
liturgia exprime e engloba: a ação do culto, através do qual serve-se a Deus e somente a
Ele, na sua “tenda”, no seu “templo” e sobre o seu “altar”; a unidade de um culto, o qual
sendo destinado a Javé, único Deus verdadeiro, e também único na sua realização.
(Segue-se à risca a prescrição da lei...). A “liturgia” é marcada, portanto, pelo espírito de
escravidão (Lv 23).
Em sentido profano
“Os magistrados são ministros (leiturghoi) de Deus” ( Rm 13,6).
“Os pagãos têm participação dos bens espirituais dos judeus. Por isso devem
assistir-lhes com as coisas materiais” ( Rm 15,27).
“Assistiu-me em minhas necessidades (Leiturghoi) e arriscou a própria vida para
prestar-me serviços” (Fl 2,25-30).
“Arrecadar esmolas para os cristãos de Jerusalém é prestar “liturgia” aos
“irmãos”(2Cor 9,12).
Em Hebreus 1,7-14 fala-se de “liturgia”. Deve ser entendido não em sentido
cultual, mas de serviço que os Anjos prestam a Deus em favor dos homens.
Em sentido ritual sacerdotal do AT.
“Serviço de Zacarias no templo de Jerusalém” (Lc 1,23)
Cristo o “liturghista” do verdadeiro santuário, realiza uma liturgia superior.
Liturgia e Liturghista, embora se referindo a Cristo, são comparações do Pontífice judeu
(Hb 8,2.6).
Os objetos litúrgicos do culto hebraico (Hb 9,21).
Comparação entre a repetição diária da liturgia judaica e a única liturgia de Cristo
(Hb 10,11).
Em sentido de “Culto Espiritual”
Paulo declara-se “Ministro-liturgista de Cristo” (Rm 15,26).
Paulo declara-se pronto... “sobre o sacrifício e a liturgia de vossa fé”. É novamente
o sentido cultual-sacerdotal, na linguagem técnica do AT.
Em sentido de Culto-Ritual-Cristão
“Enquanto celebravam o culto do Senhor (a liturgia)... É o único texto do NT no
qual podemos entrever o que virá a ser liturgia cristã (At 13,2). Alguns dizem ser a “Nova
Liturgia Cristã” e principalmente a Eucaristia.
A palavra liturgia na Igreja pós-apostólica, logo designará os “ritos do culto
cristão”.
DIDAQUÉ (15,1). É um antiquíssimo manual de religião. Julga-se ter sido redigido
entre os anos 90-100 na Síria, na Palestina ou em Antioquia (traz no próprio título a marca
dos apóstolos).
A Didaqué ou doutrina dos Apóstolos, divide-se em três partes:
Cap. 1-6: Tratado de moral (os dois caminhos, o da vida e o da morte).
Cap. 7-10: É um antigo ritual litúrgico... batismo... água corrente, fria ou quente,
etc...
Cap. 11-15: Instruções sobre a vida comunitária.
“Assim, portanto, ordenais para vós, bispos e sacerdotes, dignos do Senhor;
homens dóceis, desinteressados, verazes e experimentados, pois eles fazem a mesma
liturgia. Não os desprezeis, eles têm, com efeito, entre nós, a mesma dignidade dos
profetas e doutores”.
SERVIÇO DA PALAVRA: A assembléia é dirigida por aqueles que lhe trazem a
palavra ou que a servem: apóstolos, profetas, doutores.
Embora o dom das línguas exercia papel considerável em Corinto, é colocado
sempre em último lugar na hierarquia dos carismas (1Cor 12,27-30; Rm 12,6-8; Ef
4,11-12).
Mesmo havendo algumas divergências nas listas, ocupam sempre o primeiro lugar
os Carismas da Palavra – apóstolos, profetas, doutores; depois os carismas dos milagres e
das curas; depois os da administração da comunidade (presidir, assistir) que podem aludir
às funções dos anciãos nas comunidades judias e judeu-cristãs; e finalmente o dom das
línguas e sua interpretação. Tudo isto por que? Paulo dá uma explicação em 1Cor 14,2-5.
CLEMENTE ROMANO – Gozava, na Antigüidade, da grande autoridade, apesar
de ter-se conservado apenas um escrito saído de sua pena: Carta aos Coríntios, que a Igreja
Síria contou entre as Sagradas Escrituras.
A Carta aos Coríntios foi escrita nos últimos anos do império de Domiciano (cerca
do ano 96). Ocasião e motivo desta carta foram contendas naquela Igreja. Alguns membros
mais jovens da comunidade haviam-se rebelado contra a autoridade dos presbíteros,
expulsando-os de seus ofícios. Quando a Igreja de Roma tomou conhecimento do fato,
dirigiu a presente Carta a Corinto.
Na questão da liturgia indica a ação cultual do bispo, do presbítero e do diácono e
indica também o rito em si mesmo.
“Os ministros sagrados são os principais responsáveis pela liturgia”. É, aliás, a
primeira vez que este termo “liturgia” aparece na literatura cristã, sendo definido de
maneira muito simplesmente: “função de apresentar oferendas”.
No Oriente Grego, desde a Antigüidade até hoje, Liturgia, sempre significou
Celebração Eucarística, segundo um rito particular. Assim liturgia de São Crisóstomo, de
São Basílio, de São Tiago, de São Marcos, dos Doze Apóstolos. As Igrejas mais antigas
conservam uma liturgia eucarística, expressão da fé apostólica. Remontam ao apóstolo,
fundador dessa Igreja.
No Ocidente latino a palavra liturgia é ignorada; ao contrário de outras palavras
técnicas do vocabulário cristão transliteradas do grego para o latim. Ex.: Episcopus,
presbitex, ecclesia, apostulus, profheta, baptismus, eucharistia, evangelium...
Na linguagem latina ocidental, ao invés de liturgia usa-se outros termos, como: Officia
Divina, Sancta, Misteria Sacra, Divina, Opus Divinae, Sacre Ritus, Ritus Ecclesiastici.
II – DEFINIÇÃO DE LITURGIA
Desde o início do movimento litúrgico (1909) até os nossos dias, a maioria dosautores de manuais tem-se esforçado por dar uma definição de liturgia que resuma em
breves palavras a sua natureza e caracteres essenciais. Tarefa tanto mais difícil quanto a
liturgia é uma realidade viva, rica e uma ao mesmo tempo; não se compreende a liturgia
senão tomando parte nela; dificilmente se deixa encerrar em conceitos: é por isso que
ainda nenhuma das definições dadas pareceu satisfatória.
Toda a AÇÃO a favor da vida é LITURGIA, no sentido amplo da Palavra. É
participação no serviço libertador de Jesus. Sendo isto Liturgia, será preciso ainda
CELEBRAR? Não basta apenas AGIR, lutar a favor da vida para sermos seguidores de
Jesus e coerentes com seu evangelho, cuja lei é o AMOR?
O que é mesmo a Liturgia – celebração? Qual sua importância para a
Liturgia-vida?
Celebrar é uma ação comunitária, festiva que tem a ver com tornar célebre,
importante, inesquecível, é destacar do cotidiano, é ressaltar o significado, o sentido
profundo que um acontecimento ou pessoa tem para um determinado grupo.
Todos temos necessidade vital de celebrar, assim como temos necessidade de
pensar, de agir, de nos relacionar, de comer e beber... Como seres humanos, somos
essencialmente celebrantes. Em todos os tempos e variadas culturas, os povos encontram
momentos e formas diversas de celebrar para expressar e aprofundar o sentido da vida.
Para celebrar usamos gestos, ações simbólicas, ritos e Palavras que expressam o
que pensamos, o que acreditamos, o que desejamos, o que esperamos, o que amamos ou
rejeitamos... enfim, a visão que temos da pessoa, do mundo, da sociedade, de Deus...
nossas crenças, nossas convicções, nossa identidade como grupo, como povo... É só pensar
nos símbolos, gestos, ritos e Palavras que usamos num carnaval, numa festa de aniversário,
de casamento, numa Folia de Reis, num batizado.
Na caminhada de fé do povo da Bíblia, encontramos muitos momentos
celebrativos. Ao celebrar, o povo de Israel fazia memória das ações que Deus realizara em
seu favor no passado, as reconhecia no presente e alimentava a certeza de sua fidelidade no
futuro.
O próprio Jesus quis tornar célebre, inesquecível todo o seu trabalho a favor da
humanidade. Ele expressou com a ação simbólica de uma refeição, a CEIA PASCAL, o
significado profundo de toda sua vida e missão: “sua Liturgia-vida”.
Ele antecipou com um rito, a doação de sua vida na cruz, preparou-se e preparou
seus discípulos para viverem a HORA de entrega e de amor sem limites.
A Liturgia-celebração e a Liturgia-vida foram inseparáveis na vida do povo de
Deus, na vida de Jesus, na vida dos primeiros cristãos, assim como devem ser inseparáveis
na vida de nossas comunidades.
Celebrar a Liturgia é, portanto, expressar com gestos, símbolos e palavras a
Liturgia-vida; é tornar célebre, inesquecível a ação que o Pai realizou em Jesus e através
dele a toda a humanidade e continua hoje, em nós e através de nós e de todos que aderem
ao projeto do Reino pela força e animação de seu Espírito.
A) Definições de liturgia anteriores ao Vaticano II
L. Beauduin: “A liturgia é o culto da Igreja”.
O. Casel: “A liturgia é a ação ritual da obra salvífica de Cristo, ou melhor, é a
presença, sob o véu de símbolos, da obra divina da redenção”.
Na sua encíclica Mediator Dei, Pio XII não rejeitou apenas as definições que
faziam da liturgia uma coisa absolutamente exterior e acessória. Sublinhando a realidade
sobrenatural que ela contém, convidou à busca da sua inteligência no sacerdócio de Cristo
e numa noção justa da Igreja, Corpo Místico de Cristo, como o sugeria já a maior parte dos
pioneiros do movimento litúrgico: “A Igreja é a continuadora do múnus sacerdotal de
Jesus, sobretudo no desempenho da sagrada liturgia”(MD 3, cf. 22: “A sagrada liturgia
outra coisa não é mais que o exercício deste múnus sacerdotal de Cristo”). A definição da
Mediator Dei: “O culto público total do corpo místico de Cristo, cabeça e membros”.
B) Definição do Concílio Vaticano II
O II Concílio do Vaticano inaugurou a sua exposição dos “princípios gerais para a
restauração e progresso da liturgia” com uma lição sobre a “natureza da liturgia e sua
importância na vida da Igreja”. Evitou propositadamente as formulações de tipo escolar
para se aproximar da linguagem e das categorias da Bíblia e dos Padres.
O conceito de liturgia apresentado pelo Sacrossanto Concílio é quase idêntico ao da
Mediator Dei:
“A liturgia é considerada como exercício da função sacerdotal de Cristo” (SC 7).
“Todavia, a liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a
fonte donde emana toda a sua força”(SC 10).
Estas duas definições, mais outras contribuições presentes no mesmo documento,
podemos resumir assim: “A liturgia é ação sagrada através da qual, com um rito, na Igreja
e mediante a Igreja, é exercida e continuada a obra sacerdotal de Cristo, isto é, a
santificação dos homens e a glorificação de Deus”.
É fácil constatar as reminiscências da Mediator Dei, mas o Concílio ajunta vários
outros aspectos importantes.
A liturgia, cujos elementos essenciais são constituídos pelos sacramentos, é na sua
totalidade um sinal sagrado, como o resto a própria Igreja; o elemento visível é sinal eficaz
duma realidade sobrenatural, eficácia diversa conforme se trata de sinais sacramentais ou
de outros sinais, mas que permanece análoga. É, pois um “sacramentum”, um “mistério”
no sentido em que os Padres empregavam estas expressões.
A ação litúrgica faz não só subir até Deus a prece de adoração e súplica da Igreja,
mas também descer sobre a Igreja e os seus membros as graças da Redenção. Este duplo
movimento, afirmado implicitamente desde que se refere a liturgia ao sacerdócio de Cristo,
não era suficientemente vinculado em certas definições antigas da liturgia.
C) Outras definições pós-conciliares
O documento de Puebla traz uma definição com outros elementos:
“A liturgia como ação de Cristo e da Igreja, é o exercício do sacerdócio de Jesus
Cristo; é o ápice e a fonte da vida eclesial. É um encontro com Deus e os irmãos; banquete
e sacrifício realizado na Eucaristia; festa de comunhão eclesial, na qual o Senhor Jesus, por
seu mistério pascal, assume e liberta o Povo de Deus e, por ele, toda a humanidade, cuja
história é convertida em história salvífica, para reconciliar os homens entre si e com Deus.
A liturgia é também força em nosso peregrinar, para que se leve a bom termo, mediante o
compromisso transformador da vida, a realização plena do Reino, segundo o plano de
Deus” (Puebla 918).
Esta definição chama a atenção para aspectos, como: encontro de irmãos,
compromisso transformador da vida, a história da humanidade convertida em história da
salvação...
Outras tantas definições de liturgia surgiram nos últimos tempos, mas todas
contendo os elementos básicos já presentes na definição do Sacrossanto Concílio.
II. 1. A CAMINHO DE UMA TEOLOGIA DA LITURGIA
A palavra “Liturgia”, como vimos, foi um tanto contestada no NT, pela força
judaizante dada ao termo, tomando como expressão técnica do culto levítico da Tenda e do
Templo. Mas, não obstante isto, pela sua presença na Bíblia, foi mais tarde readmitida na
teologia cristã. É muito clara a divergência entre as duas liturgias: judaica e a cristã (cf. Lv
19 e Hb 9,13-14; Lv 19,4-9 e Hb 9,11-14).
a) A Antiguidade Cristã
O espiritualismo do culto não pode ser visto no cristianismo como uma simples
reação ou resposta polêmica ao exteriorismo da liturgia hebraica, pois este constitui o
elemento básico do cristianismo no plano cultual.
É suficiente lembrar como eram interpretados os componentes essenciais do culto
no mundo extra e pré-cristão: o templo, o altar e o sacrifício. Sabe-se que a Igreja primitiva
teve que se defender, entre outras coisas, da acusação de “ateísmo” e de “impiedade”( no
sentido de irreligiosidade, de falta de culto), justamente porque não possuía nem templos,
nem altares e nem sacrifícios, com os quais pudessem honrar a Deus. Para os cristãos,
porém, estes termos assumiam uma dimensão diferente. Para eles o culto mais agradável a
Deus era a santidade interior.
Em Ef 1,4-6, este culto no espírito é descrito com os termos que irão caracterizar
todo o culto cristão. Assim, o sacrifício não é mais uma vítima animal, mas é o próprio
Cristo, que se oferece pela remissão dos nossos pecados (cf. Ef 5,7; Hb 9,14; 10,11-12),
num sacrifício espiritual.
Assim como o Cristo “oferece o seu corpo” (Hb 10,11) também os cristãos
“oferecem no próprio corpo”, eles mesmos, como “sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus” (1Pd 2,5).
Como em Cristo, este sacrifício encontrou expressão num ato de vontade interior
(Hb 10,7-10) que se manifestou como “sacrifício de oração e de súplica” (Hb 5,7), assim
também os cristãos oferecem em Cristo o sacrifício de louvor, como único agradável a
Deus (Hb 13,15-16).
Este sacrifício que de si mesmo fazem – Cristo e os cristãos – Paulo dá o nome de
liturgia (Fl 2,17; Hb 8,2-6).
Esta nova impostação do culto espiritual continua se afirmando nos primeiros
séculos da Igreja e encontramos assim que o martírio é “sacrifício”.
Sacrifício - são orações acompanhadas de caridade para com o próximo (Clemente
de Alexandria).
“O sacrifício esplêndido e magno – diz Tertuliano – que os cristãos oferecem e que
foi ordenado por Deus é a oração de um corpo puro, de uma alma sem mancha e do
Espírito Santo”.
Nesta tradição da nova teologia cultual cristã, distingue-se ainda no século IV,
Santo Agostinho, o qual explica que o “verdadeiro sacrifício consiste em cada obra que o
cristão faz para se colocar em comunhão com Deus”. Ele fala do sacrifício do corpo, posto
a serviço de Deus.
Altar – No seu culto espiritual o cristão oferece um “sacrifício incruento... sobre
um altar que é Cristo” ( Inácio ad Magnésios), mas que é também formado por todos os
que estão unidos na oração (Clemente de Alexandria).
Templo – O templo, elemento central do culto judaico, adquire, no cristianismo,
uma nova posição. A tradição cristã primitiva demonstra ter sido, ou melhor, absorvido
profunda e vitalmente o valor e o sentido das declarações de Cristo sobre o templo de
Jerusalém (Jo 2,19; Mt 26,61; Mc 14,58; At 6,14), cuja destruição está ligada por via direta
à espiritualidade do culto.
Nesta visão a morte e a ressurreição de Cristo não são apenas o sinal do poder de
Cristo – Cordeiro imolado – o novo templo da Nova Jerusalém (Ap 21,22). Portanto, é
verdadeiro (Hb 9,11-14).
Sobre esta realidade iniciada por Cristo e continuada pela Igreja, a tradição cristã
primitiva, desenvolveu as afirmações do NT contra o judaísmo e o antipaganismo, para
explicar e justificar o espiritualismo cristão em função de uma nova Teologia do Culto.
III – A VIDA LITÚRGICO-SACRAMENTAL DA IGREJA EM SUA
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Estudar a história da liturgia não consiste em enumerar dados, datas, nomes,documentos etc., mas em descobrir a experiência de um povo fiel que orou, anunciou e
celebrou o mistério de Cristo, em captar a expressividade de uma fé manifesta em gestos e
palavras, e em acompanhar o processo de formação-aperfeiçoamento-fixação-renovação da
celebração segundo a teologia, o conceito de liturgia e o mundo sócio-religioso-cultural
circundante.
O método histórico-sintético examina a história em seu conjunto, estabelecendo
leis. Esse método pressupõe um panorama comparativo de épocas, liturgias, ritos, textos
etc. Podemos enumerar algumas leis que ajudem a estudar a liturgia de forma sintética.
São elas:
- o mutável e o imutável na liturgia;
- a coexistência de elementos antigos e recentes;
- a evolução e a involução da liturgia;
- a aculturação e a inculturação da própria liturgia;
- a adaptação e inadaptação da liturgia;
- a participação e a não-participação na liturgia.
Numa época não muito distante da nossa, o mundo litúrgico era considerado como
um todo misterioso e intocável, uma realidade fixa e inalterável por todas as épocas,
reflexo do mistério e da perenidade do próprio Deus. Essa atitude mental, que ignora as
bases antropológicas do culto cristão, foi qualificada com justiça de monofisismo litúrgico;
com isso, desejava-se exprimir que as mesmas tendências que ameaçaram o equilíbrio
interno da cristologia (e da eclesiologia) continuam a atuar de maneira derivada na hora de
compreender a liturgia.
Mas essa concepção da liturgia só pôde surgir e sobreviver graças a um
desconhecimento da história. Na realidade, a liturgia que celebramos, esse edifício que
hoje habitamos, é o resultado de muitas colaborações humanas, em grande parte anônimas;
é o fruto do trabalho (nem sempre correto) de muitas gerações cristãs, que deixaram sua
marca na vida litúrgica. Ora, essa história cambiante e em evolução, mais ou menos ativa,
a depender da época, não pode ser adequadamente interpretada senão na confluência e na
interação com outros fatores. Disso decorre o interesse e a necessidade de situar cada
época da liturgia no marco mais geral da vida da Igreja e na relação dialética com os
acontecimentos políticos e culturais.
A história da liturgia pode dividir-se em duas partes bem distintas, delimitadas pelo
Concílio de Trento (1545-1563). Antes do Concílio de Trento a liturgia evolui muito
paralelamente no Oriente e no Ocidente. Depois do Concílio de Trento, a liturgia latina,
submetida diretamente à autoridade da Sé Apostólica, torna-se objeto de reformas que a
sua unificação e centralização tornam não só possíveis, mas ainda necessárias; pelo
contrário, as liturgias do Oriente são cuidadosamente preservadas na pureza e integridade
do seu patrimônio espiritual.
O conhecimento das grandes linhas da história é essencial para entender as
estruturas celebrativas da liturgia atual. Além disso, o estudo crítico da história passada
tem força de abertura para o futuro.
1 – O CULTO NA IGREJA DO NOVO TESTAMENTO
A Igreja apostólica nasce no sulco do judaísmo, em cujo ambiente dá os primeiros
passos. Cristo e os seus discípulos participaram do culto judaico, mas mesmo assim foram
tomando consciência do que deve dar continuidade ao AT e do que deve ser novidade da
experiência cristã. Com efeito as gerações das primeiras comunidades cristãs foram um
modelo e fator de identificação para as sucessivas gerações no âmbito da liturgia e de
outras dimensões da vida cristã.
A Igreja apostólica não nega as raízes judaicas, ao contrário, está em sintonia com
elas. A partir da base judaica ela vai criando novas formas de culto. É preciso recordar aqui
a íntima conexão entre liturgia e Escritura nos primórdios da experiência cristã. Não basta
dizer que a Bíblia foi o primeiro livro litúrgico da comunidade a inspirar a pregação e a
prece; falta acrescentar que o culto comunitário teve um notável papel na própria gestação
do NT. A liturgia comunitária e, de maneira fundamental, a refeição cristã, foram o lugar
por excelência (não o único) de cristalização das tradições evangélicas. Apesar da
importância da liturgia nos escritos do NT, com relação ao culto encontramos nada além
de notas fragmentárias e incidentais. Um tema-chave, de que tanto depende a liturgia
primitiva, é o problema da relação entre a Torá e a nova aliança vivida em Cristo – que dá
lugar a posturas contrapostas entre os grupos judeu-cristãos e heleno-cristãos.
1.1 – As raízes judaicas
As atuais investigações acentuam fortemente a conexão genética do culto cristão,
em suas origens, com o mundo judaico, tanto bíblico como extrabíblico. Essa nova ênfase
na história da litúrgica substitui a outra corrente, há algum tempo em voga, que fazia recair
um grande peso sobre as analogias do culto cristão com as religiões mistéricas gregas.
A fé de Israel tem o seu centro em Iahweh, Deus único pessoal, cuja presença ativa
na história busca libertar e salvar seu povo e estabelecer uma aliança de amor com ele. A
experiência básica do Êxodo, como movimento de libertação e constituição do povo no
nível político, traz consigo, no plano religioso, um movimento de conversão e aceitação da
fé em Iahweh, que implica, por sua vez, uma nova categoria de culto. Todo o culto, na
história de Israel, está internamente orientado para relembrar esse acontecimento-chave.
As formas cúlticas e as festas do ano, praticadas antes da Páscoa, receberão uma
nova interpretação, um novo significado. A Páscoa como fato central da fé judaica, é uma
celebração que evoca o passado, que torna presente o fato e possui uma dinâmica de futuro
e de esperança, à espera de um novo Êxodo definitivo. O culto de Israel acaba integrando
também uma visão contemplativa da criação e da natureza.
A berakah é, sem dúvida, uma forma literário-religiosa típica do povo de Israel.
Nascida no marco da consciência individual e logo desenvolvida de maneira ampla ao ser
acolhida no culto comunitário, exprime, acima de tudo, uma percepção original da
realidade divina, própria do povo de Israel. É um louvor pelas maravilhas que Deus
realizou em favor do seu povo, na criação e na história. Nessa criação da alma de Israel, a
berakah ou benção judaica, temos de ver a matriz da eucaristia cristã.
Mas o culto que Iahweh espera do seu povo não pode limitar-se ao louvor formal,
ao gesto puramente exterior, nem a uma atitude interna de adoração, isolados da vida. O
culto integral da existência, traçado de maneira vigorosa em Dt 10,12-13, pressupõe uma
atenta escuta da Palavra de Deus e um prolongamento lógico na fidelidade prática à
aliança. A grande assembléia de Siquém, relatada em Js 24, enfatiza sobremaneira o
vínculo entre a palavra divina que narra a história passada como história da salvação e a
resposta do povo a essa palavra, na obediência à lei de Deus. O encontro com Iahweh
libertador na história, sua celebração agradecida no culto e a resposta coerente na
fidelidade à aliança constituem três momentos básicos e em perfeita continuidade dentro
da vida do povo de Israel. O paradigma história-culto-lei marca o ideal do povo de Deus
no Antigo Testamento.
Contudo, demasiadas vezes o povo estabeleceu um divórcio prático entre esses
componentes, isolando o rito tanto da palavra interpeladora de Deus como da resposta
conseqüente numa vida de fidelidade à vontade de Deus; esse comportamento ritualista
implicava uma distorção da autêntica imagem de Deus como presença libertadora dentro
da história. Não tardou em escutar-se a voz da denúncia profética. Atacam o culto
hipócrita, que alimenta enganosamente uma confiança mágica nos próprios ritos,
desligados de maneira absoluta das exigências de fidelidade e das responsabilidades
históricas. Esse culto – repetem os profetas – torna-se abominável a Deus: “Eu odeio, eu
desprezo as vossas festas e não gosto das vossas oferendas e não olho para o sacrifício de
vossos animais cevados... (Am 5,21-24; Is 1,10-16; 29,13; 58,1-8; Jr 6,20; 7,1-15; Os 6,6;
Mq 6,5-8; Eclo 34,18-26…).
Por fim, o culto de Israel memorial, dos acontecimentos libertadores do passado,
contém um movimento de esperança, uma tensão escatológica voltada para o porvir. Até
nos momentos mais incertos da história do povo, o culto, enquanto evoca a experiência
libertadora do Êxodo, convida e convoca a esperar um novo Êxodo e, enquanto admira e
louva o Deus da criação estimula a esperar uma nova criação. Mas essa utopia não poderá
concretizar-se se o próprio Deus não se comprometer a transformar os corações pela raiz, a
purificar o interior do homem derramando profusamente seu espírito e capacitando-o a um
novo culto (Jr 31,31-34; Ez 36,25-27), aberto à comunidade de todos os povos.
1.2 – Originalidade do culto cristão
Dada a correspondência entre fé e expressão cúltica, podemos afirmar que a liturgia
cristã se distingue da judaica à mesma medida que o cristianismo se diferencia do
judaísmo. A consideração global do NT nos revela um fato surpreendente: uma espécie de
“anticultualidade”, uma atitude de distanciamento ou de ruptura com relação às categorias
de culto do ambiente judeu pagão, uma intencionalidade de fundo que procura exprimir
com vigor a presença de uma realidade nova. Isso se evidencia na utilização deliberada de
templos e espaços não-sagrados para as celebrações próprias da assembléia cristã e,
sobretudo, no uso especial e na aplicação de um vocabulário de culto; com efeito, há uma
atitude evidentemente intencional de evitar termos técnicos do culto (como sacerdote,
sacrifício etc.) num âmbito propriamente cristão, ou melhor, de usá-los num sentido novo e
original.
a) A atitude de Jesus diante do culto
Jesus de Nazaré vive e atua dentro do sistema de culto de seu povo. Freqüenta a
reunião sinagogal dos sábados, “segundo seu costume”(Lc 4,16); participa regularmente
também, como um judeu piedoso de sua época, do culto do templo e das festas de
peregrinação (Lc 2,41-42; Jo 2,13; 5,1; 7,2-14; 10,22-23...).
Mas é preciso acrescentar que Jesus transgride com freqüência, inclusive de modo
provocativo, essa ordem cultual de Israel, manifestando sua liberdade soberana sobre ela (a
propósito do sábado, Mc 2,23-28; com relação aos ritos tradicionais de purificação antes
das refeições, Mc 7,1s.). O comportamento de Jesus quer revelar a ação libertadora de
Deus presente nesses momentos.
Quanto ao mais, sua vontade reformadora se manifesta com clareza como um
prolongamento da tradição profética. Da mesma maneira como resume e centra toda a lei
no cumprimento do amor a Deus e ao próximo, assim também põe a descoberto as
exigências fundamentais que condicionam o valor ou a nulidade desse culto: o amor e o
perdão do irmão (Mt 5,23-24; 15,5-9, retomando a crítica ao culto de Is 29,13, tal como
Mc 7,6-7).
Longe de uma mentalidade que busca atribuir virtualidades mágicas à reiteração de
gestos rituais (Mc 7,11; Mt 15,5) e à multiplicação de palavras nas orações (Mt 6,7), Jesus
proclama no diálogo com a samaritana, um culto em espírito e verdade (Jo 4,20-24), que
Deus espera dos seus verdadeiros adoradores e que Jesus não se limita a ensinar, mas
também o vive pessoalmente em toda a sua existência.
Jesus, na véspera de sua morte, ao declarar iminente a destruição do templo, com
um gesto de violência profética, anuncia ao mesmo tempo o fim de todo tipo de culto
sacrifical que tenha como base intercâmbio comercial com Deus (Mc 11,15-17; Mt
21,12-17; Lc 19,45-48; Jo 2,14-17). O rompimento do véu do templo no momento da
morte de Jesus significa, para a comunidade apostólica, que o regime cúltico do templo
terminou de maneira definitiva (Mc 15,38).
b) O fundamento do novo culto
Se o shemá Israel ou profissão judaica de fé, confessa “o Senhor nosso Deus é o
único Senhor”, a comunidade cristã primitiva aclama que “Jesus é o Senhor” (Fl 2,11). Seu
culto a Deus é realizado agora em “Cristo Jesus”. A Igreja primitiva rompe o cordão
umbilical que a une ao templo, à sinagoga, ao templo judeu em geral, introduz, não
obstante, um fermento novo nele: o evangelho é o fundamento do culto cristão. Todos os
escritos do Novo Testamento, em sua concepção do culto, acham-se internamente
perpassados por estas duas afirmações básicas: 1) Jesus de Nazaré, o crucificado, foi
ressuscitado por Deus. Tudo o que, a partir de agora, pode merecer o nome de culto, está
marcado por esse acontecimento definitivo, que Deus realizou em favor dos homens. 2)
Aquele que foi ressuscitado por Deus é Jesus de Nazaré, o crucificado, aquele que Israel
rechaçou e justiçou “segundo a lei”. Isso traz como conseqüência a convicção de que o
comportamento religioso e de culto é incapaz de realizar por si mesmo a salvação e carece
de valor.
Todos os termos sacros e cúlticos do AT aplicam-se agora a Cristo: é o templo ( Jo
2,19) e, mais do que o templo ( Mt 12,5s.), é o sumo e eterno sacerdote ( Hb 2,17;
7,23-28); é o liturgo por excelência dos cristãos ( Hb 8,1s.), o único mediador da aliança (
Hb 8,6).
Essa cristologização da linguagem de culto nos faz ver que, a partir de então, é
Cristo a realidade íntima e perene da celebração litúrgica e que, em conseqüência, a
liturgia é o exercício da fé e a epifania de Cristo na fé.
c) A vida como culto
Se a expressão paulina “em Cristo” tem sua finalidade e correspondência na
expressão joânica “no Espírito”, a cristologização do culto traz consigo uma
pneumatologização do mesmo. O Pneuma constitui as “primícias” e os “penhores” da vida
escatológica (2Cor 1,22; 5,5; Rm 8,23; Ef 1,13ss.), que se permitiu que os fiéis
experimentassem de antemão ( Hb 6,4s.). Em conseqüência, as expressões sacras e cúlticas
também são empregadas no NT para designar as ações e os dons do Espírito.
Desse modo, a existência íntegra do fiel no mundo, vivida na fidelidade ao Espírito
de Cristo, pode chegar a converter-se em “culto espiritual”, no culto perfeito dos últimos
tempos, como disse Paulo na célebre passagem aos Romanos: “Exorto-vos, portanto,
irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e
agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual”( Rm 12,1ss.). Paulo convida a um culto
novo; é a liturgia de suas vidas, o culto secular da existência presente no mundo, mas que
não capitula diante dos critérios imanentes deste.
Na mesma direção, Paulo interpreta seu ministério apostólico segundo uma chave
litúrgica ( Rm 15,16). Mas o texto mais rico a esse respeito é, sem dúvida, 1Pd 2,5, onde
as categorias fundamentais do culto (templo, sacerdócio e oferenda sacrifical) são
reinterpretadas de acordo com uma nova identidade, “pela mediação de Cristo”. Com
Heinz Schurmann, podemos resumir esse novo culto como culto escatológico,
pneumatológico e cristológico: o culto definitivo dos últimos tempos, realizado na vida
diária no mundo, sob a presença dinamizadora do Espírito e suscitado pelo acontecimento
que é Jesus.
1. 3 – A assembléia cristã e suas formas de culto
Apesar do culto na vida, do aspecto pneumatológico, a necessidade de símbolos
para expressar a fé faz com que o culto tenha necessariamente um aspecto comunitário.
Tem necessidade de uma liturgia eclesial para manter-se como tal e não cair na
irrelevância.
Vemos as comunidades primitivas celebrando em assembléia litúrgica, efetuando
ritos. O termo ekklésia, que evoca na Bíblia grega a assembléia de Israel no deserto,
designa, no NT, a reunião concreta dos fiéis nem mesmo lugar, antes de significar o grupo
de fiéis que vivem numa cidade determinada ou o conjunto de fiéis dispersos pelo mundo:
a assembléia litúrgica é o lugar em que se manifesta a própria existência da Igreja.
Na pregação no dia de Pentecostes encontramos os três elementos que constituem o
processo do ser cristão: evangelização, fé (metanoia) e batismo ( At 2,41; 8,12; 18,8...).
Dessa maneira, o batismo é apresentado como signo na fé numa dupla vertente: selo da
mensagem evangélica, da fé anunciada e também selo da adesão interior, da fé aceita.
At 2,42 nos apresenta um retrato idealizado da vida da comunidade primitiva. A
descrição desse “sumário” inclui os quatro elementos seguintes: o ensinamento dos
apóstolos e a comunhão fraterna, a fração do pão e as orações. Neste texto podemos ter a
imagem de uma celebração litúrgica com esses quatro elementos ou a própria vida da
comunidade. Sem dúvida que o novo culto cristão possui de um lado o anúncio da palavra
e o exercício da comunhão fraterna de outro.
a) O ensinamento dos apóstolos
As assembléias litúrgicas da comunidade primitiva começavam por uma didaché.
Na reunião de Trôade, relatada em At 20,7ss., ressoa da celebração a palavra viva do
apóstolo.
Essa didaché compreende a recordação das palavras e ações de Jesus, mas sem
dúvida implica uma leitura do AT à luz do cumprimento de Jesus; essa leitura foi praticada
já por Jesus e ensinada aos seus discípulos ( Lc 4,17-21; 7,27; 24,25ss.). Encontramos
nesse elemento da assembléia cristã um legado da práxis sinagogal dos sábados, à qual
fora presença constante Jesus e, mais tarde, os discípulos. Porém, a comunidade cristã vai
se distanciando da prática da sinagoga, pois enquanto esta tem como centro a explicação e
reexplicação da tora, a comunidade cristã procura anunciar Jesus e fazer ressoar, em sua
atualidade viva, a palavra do Senhor.
b) A “koinonia”ou comunhão fraterna
Esse segundo elemento, na qualidade de parte integrante da assembléia
propriamente litúrgica, pode revestir-se de um duplo significado: no sentido “centrípeto”,
deve referir-se à comunhão realizada por meio da refeição em grupo, a “koinonia”da mesa;
no sentido “centrífugo”, remete, com em Rm 15,26, à coleta de donativos para os mais
necessitados. A comunidade primitiva reúne ambas as práticas: a refeição em grupo e o
serviço de ajuda mútua.
Essa conexão interna entre a refeição comunitária e o serviço de ajuda mútua
permaneceu cristalizado num duplo relato arquétipico: o relato da ceia e o da multiplicação
dos pães, ambos unidos pelo mesmo gesto de Jesus, que preside a refeição, dá graças, parte
o pão e o distribui ( ou o faz distribuir). Por essa razão, a refeição cristã deve dar
prosseguimento e prolongar a multiplicação dos pães. A palavra koinonia, bem como
diakonia, designam no NT a comunhão de mesa e, ao mesmo tempo, o serviço de ajuda
mútua.
c) A fração do pão
Esse é sem dúvida o ponto culminante da assembléia litúrgica, no qual a
cristologização do culto adquire sua maior densidade. “Anunciais a morte do Senhor até
que ele venha”(1Cor 11,26), diz Paulo; e, nessa frase prenhe de conteúdo, vincula o
passado do Crucificado, o presente do Kyrios ressuscitado e o futuro do Senhor que volta:
tríplice dimensão constitutiva do culto cristão.
O nome ceia do Senhor (1Cor 11,20) indica que, ao menos em Corinto, a eucaristia
é celebrada à tarde. É acompanhada de uma refeição normal que, se em princípio devia ser
um signo de comunhão fraterna, um ágape, torna-se de fato uma causa de desunião e um
escárnio para os pobres da comunidade. No início, segundo o esquema judaico de
celebração, o rito do pão e o do cálice eram separados pela ceia. Muito cedo, todavia –
possivelmente nos dez primeiros anos -, os dois ritos foram unidos e situados como norma
geral, no final da refeição.
Quanto ao lugar e ao tempo da celebração eucarística, as comunidades reúnem-se
em casas particulares, ou seja, fora de um espaço sagrado; a dinâmica interna da
assembléia tem como base o princípio da hospitalidade. Essa marca doméstica imprimia o
seu próprio estilo não somente ao âmbito da comunidade reunida e das mútuas relações
entre seus membros, como também às formas básicas de celebração: a palavra e o
banquete comum.
Quanto ao ritmo dessas assembléias e aos dias de celebração, os textos do NT são
muito obscuros. Há duas alusões sucintas a reuniões cotidianas nas casas e à distribuição
de alimentos (At 2,46; 6,1), mas se observa que, há muito tempo, o primeiro dia da semana
(o que seguia o sabá) tornou-se um dia muito especial para os fiéis, que se juntavam para
celebrar a ressurreição do Senhor crucificado. O Dia do Senhor recebe seu nome de Jesus
Cristo, exatamente como a ceia do Senhor em 1Cor 11,20, existindo uma relação muito
estreita entre eles. A ceia do Senhor evocava sua presença na tríplice dimensão do tempo
(passado, presente e futuro), estando essa perspectiva tríplice em torno da imagem de
Cristo no livro do Apocalipse.
Os cânticos e as aclamações de que o Apocalipse está ponteado puderam ter como
pano de fundo a liturgia dominical das primeiras assembléias cristãs; dessa maneira, é-nos
dado entreve a relação entre a liturgia celeste e a liturgia comunitária no dia do Senhor.
d) As orações
A menção às orações em At 2,42 possivelmente não quer indicar as orações
comuns presididas pelos apóstolos, que vemos em At 4,24ss., mas a prática judaica
tradicional, que os primeiros cristãos de Jerusalém conservaram de imediato. Os Atos nos
falam dos apóstolos em oração na hora nona, ou seja, a hora do sacrifício tamid da tarde
(At 3,1); a oração da hora sexta, ou meio-dia (At 10,9); a oração da hora terça, a hora do
tamid da manhã (provavelmente At 2,1; 2,15). Por outro lado, At 2,46 assinala a
assistência “assídua” ao templo e, em At 21,26, faz-se referência a uma cerimônia de
purificação de Paulo, assim como uma oferenda de sacrifício no templo. Não sabemos
quanto durou essa adesão ao templo por parte dos primeiros cristãos.
Certamente, tanto Jesus como os apóstolos provinham de um povo que “sabia
rezar”. A tradição judaica tinha suas fórmulas de oração, mas conhecia e alimentava ainda
uma certa liberdade de expressão na prece.
Se é verdade que os cristãos marcam uma ruptura, vivida com uma variada gama de
intensidade nas comunidades, com relação aos meios judaicos, também o é que eles
souberam conservar ou recuperar, por meio de um trabalho de adaptação, elementos
básicos da prática judaica.
O que fica claro é que a comunidade apostólica, embora não tendo ainda uma
regulamentação estável da liturgia, já dispunha de algumas formas litúrgicas próprias.
Destaca-se a importância das reuniões de oração, do Batismo e da Eucaristia.
Neste período quatro fatores são essenciais para a formação e o desenvolvimento
do complexo litúrgico: a mensagem e a atividade de Jesus; o mistério de sua morte e
ressurreição; a conscientização da presença do Senhor entre os seus; a ação do Espírito
Santo.
2 – A LITURGIA NA ERA DOS MÁRTIRES (Séculos II – III)
2.1 – Contexto geral
A época pós-apostólica imediata foi um período de transição e de busca. A Igreja,
que submerge suas raízes no judaísmo, vai adentrando progressivamente no mundo
greco-latino. Entre os anos 70 e 140. o cristianismo se estende em diversas regiões e as
comunidades cristãs se afirmam em sua própria originalidade; todavia, nesse primeiro
período, o desenvolvimento é mais constatável na vida interna da Igreja do que em sua
configuração externa. Permanecem ainda as formas do pensamento judeu-cristão e o centro
de gravidade da discussão teológica continua a ser a polêmica com o judaísmo. Nas
fronteiras entre judaísmo e cristianismo, multiplicam-se as seitas gnósticas, que praticam
um sincretismo religioso que combina o dualismo oriental com alguns elementos da
revelação cristã. O cristianismo nascente encontrou no gnosticismo um perigoso inimigo
que a partir do interior de suas próprias comunidades, ameaçava a identidade cristã.
No decorrer das primeiras décadas, a Igreja cristã não aparece como uma realidade
sociológica capaz de levantar problemas ao Império Romano. Mas muito cedo, as
comunidades cristãs que se estendem atraem a atenção do ambiente pagão e suscitam uma
atitude de repulsa, que não se produz, por exemplo, contra outros cultos religiosos trazidos
do Oriente. A causa dessa reação hostil, devemos busca-la, sem dúvida, no interior do
próprio cristianismo, na pretensão do absoluto que sua fé implica; essa atitude o levará
inevitavelmente a um enfrentamento aberto com a religião estatal romana. Além disso,
esse ambiente de hostilidade é alimentado pelo judaísmo da diáspora, que não pode
perdoar ao judeu-cristãos sai apostasia da antiga fé. Nessas coordenadas lutam os
apologetas cristãos.
O final do século II e o começo do III iniciam um período em que a Igreja nascente
chegará a ser a grande Igreja ou Igreja universal, em sua estrutura interna e em sua
expansão externa. Liberto do seu contexto judaico, o cristianismo se difunde por todo o
mundo greco-romano. A nova situação implica não só em obstáculos a evitar, como
também novas tarefas. Os cristãos procuram infundir um novo espírito aos usos e costumes
da sociedade; mas apresentam a si mesmos o problema de saber o que devem conservar e o
que rechaçar desse universo cultural.
No século II, há dois longos períodos de paz entre perseguições, os quais
possibilitam uma forte ação evangelizadora e uma notável firmeza em sua própria
organização interna, o que se reflete nas formas de culto, na reflexão teológica e nas
expressões literárias e artísticas, cada vez mais ricas. Essa consolidação interna e esse
impulso de difusão do cristianismo coincidem com uma mudança de horizonte no
paganismo: a vitalidade da comunidade cristã é favorecida pela crise das forças culturais e
religiosas até então dominantes.
Assim, pois, o final do século III, que é um período de transição no campo político
e cultural, é uma época de nítida expansão para a Igreja cristã.
2.2 – Linhas de evolução litúrgica
Enquanto nos primeiros séculos as características do culto cristão são ainda vagas
e tênues, a partir do século III se mostram muito mais vigorosas e claras. O
desenvolvimento da literatura teológica é acompanhado de um processo semelhante no
âmbito da liturgia. Observam-se novos impulsos criadores, novas formas litúrgicas, em
resposta à s necessidades das comunidades cristãs – cada vez robustas na Igreja universal.
Se o cristocentrismo é também a nota fundamental da época pós-apostólica, o
seguimento de Cristo, nessa era dos mártires, será marcado por duas realidades essenciais:
o batismo e o martírio. Essa espiritualidade batismal e martirial ao mesmo tempo é por sua
vez alimentada por uma forte consciência eclesial: os temas como mater ecclesia, sponsa
Christi etc. retornam com freqüência nos autores do século III.
Para o conhecimento litúrgico dessa época, dispomos de uma fonte muito
interessante na Tradição apostólica, de Hipólito de Roma. Este autor, contemporâneo de
Origines (e, provavelmente, originário, como Irineu, seu mestre, do Oriente), se faz
defensor aguerrido dos valores tradicionais e procura defender a velha fé católica
transmitida pelos apóstolos.
Catecumenato e batismo
A instituição catecumenal é uma das mais acabadas realizações da Igreja nos
séculos II e III; é o desenvolvimento estruturado do estava, em germe, presente no NT. O
processo básico do tornar-se cristão cujo iter o livro dos Atos nos indica (evangelização-fé,
metanóia-batismo), é agora garantido por um sólido quadro institucional. Por trás está a
necessidade de uma ação evangelizadora e de manter a “qualidade” dos novos convertidos
e das jovens comunidades cristãs; mas também a ameaça crescente das seitas heréticas
(sobretudo o gnosticismo).
Esse processo catecumenal pode ser resumido da seguinte maneira:
1) Entrada no catecumenato – Um primeiro exame de admissão faz uma triagem
entre os candidatos. Estes devem apresentar como fiador (padrinho) um cristão conhecido,
que possa dar uma garantia inicial da vontade de conversão do aspirante.
2) Formação doutrinal – Passado esse exame inicial, começa para o aspirante o
período de catequese, garantida pelos “doutores”, podem ser tanto eclesiásticos como
leigos. Um rito, a consignatio ou sinal-da-cruz, abre o caminho para esse período
catecumenal, cuja duração de três anos pode ser abreviada em caso de particular dedicação.
3) Preparação precedente ao batismo – A fase catecumenal anterior termina com
um novo exame dos aspirantes ao batismo; requer-se mais uma vez a presença do fiador,
que vai responder pelo candidato. Procura-se saber se o catecúmeno, em sua vida diária,
deu provas de conversão a Cristo, praticando o mandamento fundamental do amor ao
próximo, em sua realização concreta de visitar os enfermos e ajudar as viúvas. Passada
essa prova, os catecúmenos selecionados podem entrar na fase de preparação precedente ao
batismo, caracterizada pela oração, o jejum e os exorcismos rituais
b) Eucaristia e assembléia dominical
A celebração eucarística nos primeiros séculos conhece um tríplice momento
evolutivo: o primeiro estágio corresponde à celebração da ceia pelo próprio Cristo, durante
um banquete situado entre os dois ritos, preexistentes, mas transformados por Jesus – o
rito do pão e do cálice de vinho. A época apostólica logo se realizou um esclarecimento,
reunindo esses dois ritos e situando-os no fim do banquete. Mais tarde, ocorre uma
mudança transcendental (talvez a maior de toda a história litúrgica): o abandono do
banquete como suporte da celebração. Essa mudança produziu diversas modificações nas
formas celebrativas: desaparecem as mesas, caem em desuso os termo “fração do pão” e
“ceia do Senhor”; a oração de ação de graças é unificada e enriquecida. No fim do século
II, a designação empregada de modo mais generalizado é “eucaristia”.
Na metade do século II, Justino nos dá um testemunho de grande valor em sua
primeira apologia. Eis o texto:
“No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que habitam nas
cidades e nos campos. Nela se lêem, à medida que o tempo o permita, as Memórias dos
Apóstolos ou os escritos dos Profetas. Em seguida, quando o leitor termina, o presidente,
em suas próprias palavras, faz uma exortação e um convite para que imitemos esses belos
exemplos. Levantamo-nos seguidamente todos de uma vez e elevamos nossas preces;
quando terminam, com já dissemos, oferecem-se pão, vinho e água e o presidente, segundo
suas forças, também eleva a Deus suas preces e eucaristias e todo o povo aclama, dizendo:
“Amém”. Prosseguindo, vem a distribuição e participação dos alimentos eucaristizados e
seu envio, por meio dos diáconos, aos ausentes. Os que têm bens e querem, cada um
segundo sua livre determinação, dão o que bem lhe parece; e o que é recolhido é entregue
ao presidente, que com ele socorre órfãos e viúvas, aos que, por enfermidades ou outras
causas, estão necessitados, aos que estão nos cárceres, aos forasteiros de passagem. Em
uma palavra, ele se constitui no provedor de quantos se acham em necessidade.
Celebramos essa reunião no dia do Sol por ser o primeiro dia, no qual Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, bem como por ser o dia em que Jesus
Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos”.
Na metade do século II, a instituição do domingo já tem sólidos fundamentos. A
diversidade de títulos que recebe nos indica sua riqueza de significado para a comunidade
cristã.
Na Tradição apostólica de Hipólito encontramos uma descrição da evolução que a
celebração do batismo e da eucaristia receberam na metade do século III. Não é uma forma
fixa e obrigatória para as comunidades, mas apresenta um esquema fundamental da liturgia
eucarística.
c) Páscoa e controvérsia pascal
Aquilo que o domingo é no curso da semana, a páscoa constitui no ritmo do ano, a
festa mais antiga da Igreja cristã. Dois fatores influíram na relevância dessa festa para a
consciência cristã: de um lado, a explicitação no tempo, ampliando sua duração aos dias
anteriores e, sobretudo, seu prolongamento festivo, no laetissimun spatium de cinqüenta
dias; de outro, a incorporação do batismo à liturgia pascal, dies baptismo sollemnio, como
afirma Tertuliano.
O problema da data em que se devia celebra a páscoa quase criou um cisma no
interior da Igreja. No século II, as comunidades da Ásia Menor tinham como tradição
celebrar a páscoa na mesma data dos judeus, isto é, o dia 14 do mês de Nisã. No mesmo
período existem outras comunidades, como a de Roam, Egito, Grécia etc., celebram a
páscoa não na data judaica, mas no domingo que a segue. Ambos os grupos defendem que
suas iniciativas vem dos apóstolos. Graças à intervenção de Irineu,todos chegaram a uma
acordo e fixou-se a data das comunidades de Roma: domingo seguinte ao 14 de Nisã dos
judeus.
d) A liturgia e a luta contra o gnosticismo
O fenômeno do gnosticismo, particularmente vivo nos séculos II e III, tem
profundas repercussões, não apenas no âmbito teológico, como também no litúrgico.
Somente à luz desse conflito com o gnosticismo certos desenvolvimentos litúrgicos que se
verificam nessa época encontram explicação.
Uma das características fundamentais do movimento gnóstico é, sem dúvida, o
dualismo, que implica o desprezo pelo material e corpóreo. Antes, a Igreja, para opor-se às
concepções grosseiras e materialistas do ambiente pagão e judeu acentuava o “culto
espiritual”, um culto que não tem necessidade de lugares nem de épocas sagradas ou de
manifestações exteriores e ruidosas, mas que é realizado numa adoração que sai do
coração e floresce na “eucaristia”(sacrifício dos lábios) e na vida do fiel. Agora, os autores
cristãos vêem-se obrigados a defender também o lado exterior e material da religião cristã
e do seu culto.
Se antes só se fazia menção aos dons materiais do pão e do vinho e se acentuava a
ação de graças que se pronunciava sobre eles, agora se fixa a atenção precisamente nessa
dimensão material corpórea que a celebração cristã comporta. Por isso, não é casualidade a
mudança de nome: se antes eucaristia era o termo preferido, agora se generaliza o uso de
oblatio e sacrificium. E, nessa mesma época (final do século II), começa a prática de levar
oferendas ao altar, o que, nos séculos ulteriores, receberá sucessivos desenvolvimentos, no
Oriente e no Ocidente.
Essa modificação na compreensão da eucaristia traz consigo uma série de
mudanças na forma de dispor o lugar da celebração. Desloca-se o acento da comunidade
em torno do bispo, do presidente e a cathedra como centro de gravidade dessa
comunidade, para o altar como lugar do sacrifício. De uma simples mesa de madeira passa
para um altar de pedra.
e) Os primórdios de uma era cristã
O século III, com seus longos períodos de paz, propiciou um desenvolvimento
interno e externo das comunidades cristãs, que pela primeira vez sentem-se capazes de
intervir de maneira original nos campos da expressão artística.
No começo, como já dissemos, os cristãos se reuniam numa casa livremente cedida
por algum membro (ou família) da própria comunidade cristã. O início do século III traz
uma importante evolução: a transformação de casas particulares em lugares de culto. O
crescimento numérico das comunidades tornava cada vez mais difícil a celebração cristã
em casas particulares. No início as construções não se diferenciavam de uma casa comum,
mas na segunda metade do século III, passa-se a construir recintos próprios, com uma
forma diferente da que se usa para as moradias; é o despertar de uma arquitetura cristã.
Também nesse período as comunidades cristãs começam a ter lugares próprios de
sepultamento. Isto propicia o surgimento de decorações com imagens do Bom Pastor, de
Cristo, o Mestre e outras figuras.
Desse modo, portanto, através de imagens ou esquemas artísticos que lhes eram
culturalmente familiares, os cristãos da era dos mártires conseguiram exprimir sua própria
experiência cristã.
3 – O CULTO CRISTÃO NA IGREJA DO IMPÉRIO (313-590)
3.1 – Contexto Geral
A etapa que estudamos agora vai da queda de Constantino a Gregório Magno. Com
o século IV, tem origem uma completa mudança na situação social e jurídica dos cristãos.
A nova fé conseguiu pouco a pouco trazer para o seu lado os diversos estratos da
sociedade romana, inclusive as classes dirigentes. A Igreja, em vez de ser perseguida,
converte-se agora em religião oficial do Império; em lugar de ser considerada como um
corpo estranho, passa a ser o princípio diretor que anima o império cristão. A Igreja tem
diante de si a imensa tarefa de transformar o mundo pagão num mundo cristão,
assimilando a cultura pagã em que está imersa. A nova situação traz não só benefícios
como problemas. A liberdade e a tranqüilidade de que agora goza influem na qualidade
dos seus numerosos adeptos.
É uma época de controvérsias teológicas, de enfrentamento cultural e político, de
resistência nacional contra o domínio colonial de Roma. Os séculos IV e V conhecem as
grandes contendas doutrinas suscitadas por Ário e Nestório, às quais replicarão os
concílios ecumênicos de Nicéia (325), Éfeso (431) e Calcedônia (451), com a participação
ativa do imperador.
No transcurso dessas lutas teológicas, houve efetivamente a grande mutação
histórica de que vai surgir o Ocidente medieval e moderno. O Império Romano, no
Ocidente, cede por fim ante a invasão dos bárbaros; essas grandes migrações de povos,
com suas seqüelas culturais, políticas e sociais, têm conseqüências óbvias na vida da
Igreja. Os reinos implantados pelo domínio dos bárbaros não podem substituir as
complexas instituições do Império Romano, Carente de instituições temporais, a Igreja
assume o papel muito ativo na configuração e dinâmica da sociedade; desse modo, nasce a
cristandade, o sistema político-religioso que caracteriza durante tantos séculos a
civilização da Europa Ocidental.
A outra metade do orbis romanus, o Império do Oriente, não sucumbe à invasão
dos bárbaros e conseguirá sobreviver até 1453. Esse cristianismo bizantino tende a
diferenciar-se cada vez mais da Igreja do Ocidente, marcando sua originalidade em todos
os âmbitos religiosos, a começar pela liturgia. A tendência ao hieratismo, o sentido
dramático da celebração e o gosto pelo fausto e pelo esplendor em suas cerimônias
parecem constituir três características dessa liturgia oriental.
Entre as manifestações da vitalidade da Igreja nesse período, devemos assinalar o
surgimento e a rápida expansão do monacato. Essa instituição vem, em certa medida,
substituir o martírio da época precedente.
O aspecto missionário será organizado e intensificado no Pontificado de Gregório
Magno. Há também o fenômeno das peregrinações. Multidões acorrem, com freqüência
vindas de lugares remotos, aos santuários dos mártires mais populares e, com especial
devoção, aos lugares santos de Jerusalém.
3.2 – Linhas de evolução litúrgica
No tocante a textos litúrgicos, o período de grande criatividade situa-se entre a
metade do século IV e o final do século VII. O uso de composições escritas para o culto foi
se generalizando. Essa tendência à fixação escrita das orações litúrgicas decorre de
diversas causas: em primeiro lugar, o crescimento das comunidades, que exigem uma
maior organização e levam a uma concreção dos livros de fórmulas, fazendo desaparecer
paulatinamente o fenômeno da “improvisação litúrgica” dos séculos precedentes; por outro
lado, a necessidade de um certo controle nas orações litúrgicas surge devido à presença de
orações compostas não apenas por autores competentes, como também por autores
heréticos.
As liturgias se diversificam
A partir do século IV, impõe-se uma crescente diferenciação, por meio da qual as
figuras particulares vão adquirindo uma configuração própria. Diversos fatores contribuem
com esse processo: o desenvolvimento das organizações eclesiásticas territoriais favorece
a diversificação das liturgias. A liturgia das capitais mais importantes se estende,
tornando-se normativa, em suas respectivas zonas de influência. A diversidade lingüística,
a identidade cultural e as diferenças de natureza doutrinal, são outros fatores para o
desenvolvimento de liturgias diferenciadas.
A partir do século IV, existem no Oriente três potentes centros de vida eclesiástica,
que desenvolvem uma intensa atividade criadora no campo da liturgia: Antioquia,
Alexandria e Constantinopla. Daí surgem três organizações litúrgicas diferentes:
sírio-ocidental, egípcia e a bizantina.
Com relação ao Ocidente, falta um fator de diferenciação de natureza fundamental,
o lingüístico: a língua latina é usada em todo o mundo cultural e cúltico do Ocidente. E,
por outro lado, não há metrópole ou sede eclesiástica que possa competir com Roma.
Durante mais de três séculos, a liturgia de Roma foi celebrada em grego. A
latinização da Igreja de Roma realizou-se de maneira progressiva, passando
necessariamente por uma época de bilingüismo. A passagem do grego para o latim na
liturgia de Roma e de modo concreto no que se refere ao cânon ou anáfora eucarística,
viria a ser efetuada no pontificado do papa Damaso (366-384).
Como característica importante de Roma, deve-se destacar a firme ênfase na
mediação de Cristo na ação litúrgica (per Christum ad Patrem). Por outro lado, a
sobriedade e a austera dignidade da expressão romana contrasta com o tom mais patético e
emotivo, além de prolixo, das liturgias orientais em geral e das liturgias ocidentais de
extração gálica.
b) Evolução do catecumenato
A nova situação da Igreja a partir do século IV teve repercussão imediata e
fundamental no campo da iniciação cristã. A instituição catecumenal se vê submetida à
prova e sofre uma manifesta crise. De fato com o reconhecimento público do cristianismo,
uma ingente multidão de pessoas solicita sua entrada na comunidade cristã. Mas os
motivos dessa decisão com freqüência são interesseiros e alheios a um desejo de conversão
à fé cristã. Ser ou não cristão tinha influência até em cargos públicos e condicionava a
tranqüilidade e a boa reputação na sociedade.
Para muitos bastava ser inscrito no catecumenato e adiava o batismo até uma
enfermidade grave ou momento da morte. Diante dessa nova realidade a Igreja adota uma
nova postura catecumenal: a dos 40 dias de preparação para a Páscoa. A quaresma assume
uma ênfase batismal.
c) Crise do sistema penitencial
Como vemos, a Igreja, nos séculos IV-V, soube reagir diante do crescente afluxo de
pessoas medíocres e conseguiu reestruturar sua disciplina catecumenal. Todavia não
modificou o sistema penitencial; a Igreja mantém com firmeza e intransigência a severa
disciplina penitencial que herdou da época anterior e, sobretudo, insiste no princípio da
irrepetibilidade da penitência.
O batizado que tivesse cometido um pecado grave o suficiente para ter de passar
pelo processo penitencial da Igreja (antes de tudo, os réus de idolatria, homicídio e
adultério) devia percorrer um longo caminho para conseguir a reconciliação com a Igreja e
com Deus. Com esse propósito, criou-se o iter penitencial, quase comum a todo Ocidente,
que incluía três fases: um rito inicial em que o pecador reconhecia sua culpabilidade, era
excomungado provisoriamente da comunidade e era arrolado na ordo poenitentium. A
partir daí, só podia assistir unicamente à liturgia da palavra ou, se assistia à eucaristia, não
podia levar as oferendas ao altar nem participar da comunhão.
Mas o fato de pertencer à ordo poenitentium implicava grande quantidade de
incômodos e privações. Os pecados muito graves traziam consigo a exclusão perpétua da
comunidade. Além disso, o batizado, tendo passado por esse processo penitencial da
Igreja, ficava marcado para o resto da vida; não pode desempenhar nenhum cargo público,
nem na milícia; não pode ingressar no estado clerical e, se é casado, deve renunciar por
toda a vida ao uso do matrimônio; está obrigado, praticamente, a ter uma vida de monge.
As conseqüências desse rigorismo logo se fizeram sentir. O adiamento do batismo,
de que antes falamos, acrescenta-se agora o retardamento da penitência até a velhice ou a
proximidade da morte. A Igreja ataca esse retardamento da penitência, que pouco a pouco
fica confinado ao breve espaço de tempo da última enfermidade, ficando o recebimento da
reconciliação por parte do penitente para pouco antes da morte.
d) Cultura pagã e culto cristão
Nessa época do Império cristão, a Igreja se vê confrontada pelo problema básico da
adaptação a um novo clima; a partir do século IV, intensificam-se os intercâmbios entre
ambiente cultural pagão e o cristianismo.
1) Novos espaços
Com a ajuda do próprio imperador e de sua família, erigem-se grandes construções
destinadas ao culto em Jerusalém, Constantinopla e, sobretudo, em Roma. Com a basílica
do Latrão, é construído o primeiro grande salão da liturgia cristã. “Basílica” é um gênero
arquitetônico que provém da cultura profana, cujo nome implica um estilo propriamente de
triunfo e grandeza. O cristianismo assume uma tradição existente na arquitetura civil,
acomodando-a às exigências de sua liturgia. O novo quadro litúrgico transforma o culto
litúrgico.
Nos séculos IV e V, multiplicam-se as edificações cúlticas. A veneração dos
mártires faz com que sejam construídas grandes basílicas sobre seus túmulos. Mais tarde o
resto dos mártires será levado para as igrejas.
2) O tempo cristão
Com o evento imperial a seu favor, o cristianismo não só conquista o espaço como
também o tempo. A legislação imperial proíbe todas as atividades civis (exceto os
trabalhos agrícolas) e as diversões profanas do “venerável dia do sol”, que será chamado,
definitivamente, dies dominica, dia do Senhor.
Esse mesmo fundo subjaz ao aparecimento, dentro do ano cristão, das festas de
Natal e da Epifania. A data de 25 de dezembro, como festa cristã, aparece em Roma depois
da paz de Constantino e é uma assimilação de uma festa pagã precedente, vinculada com o
culto solar e imperial. Origens semelhante deve ter tido a festa de 6 de janeiro, que surgiu
no Oriente.
No século IV, desenvolveu-se o sacratissimum tridum crucifixi, sepulti, suscitati,
com a denomina Agostinho. A festa de páscoa, como festividade central, adquire um novo
relevo na vida pública a partir do momento em que os imperadores cristãos, a começar por
Valentiniano I, celebram nesse dia uma anistia especial para os condenados à prisão. Nessa
mesma época, o tempo pascal entra na fase final de sua evolução. Com a formação de um
grande ciclo que tem um período de preparação de quarenta dias e um tempo de
prolongamento festivo ou pentecostes, que dura cinqüenta dias. O restante do ano litúrgico
é ponteado por diversas festas cristãs, coincidentes, em suas datas, com outras tantas festas
pagãs.
Também nos tradicionais ritos de passagem que acompanham o nascimento, o
matrimônio e o funeral, o cristianismo assumiu diversos elementos da religiosidade pagã
(como o costume de dar leite e mel ao bebê, a coroa de flores no matrimônio, a orientação
das tumbas etc.), dotando-os de um nova significação cristã.
3) O cerimonial da corte na liturgia
Na época anterior, o culto ao imperador era considerado idolatria pelos cristãos,
razão por que foi rechaçado por eles de maneira absoluta. Eles se negaram a conceder ao
imperador o título de Kyrios, a decorar sua imagem com grinaldas, a tributar-lhe a
prostração diante de sua imagem e a queimarem um único grão de incenso sobre o carvão
queimado diante de estátua imperial. Mas as coisas mudaram com a chegada de
Constantino, que abandonava sua pretensão às honras divinas.
Todavia, começa aqui uma nova evolução. O imperador concede, com efeito,
honras e privilégios correspondentes aos grandes dignitários do império e à sua própria
dignidade imperial aos bispos da Igreja e, em particular, ao Papa. Como adquiria a
condição de majestade imperial, o bispo de Roma tinha o direito ao anel, devia ser saudado
por uma genuflexão e com um beijo nos pés, podendo sua efígie ser exposta nas Igrejas.
Os bispos, assimilados agora aos mais elevados dignitários do Estado, têm direito às
honras do trono, das luzes, do incenso e do manípulo.
e) As controvérsias cristológicas e sua influência na liturgia
As lutas cristológicas que, a partir do século IV, abalaram sobretudo a parte oriental
do Império Romano, levaram à formulação de diferentes profissões de fé; mas também
influíram sobre a oração litúrgica, modificando-a internamente segundo a direção da
polêmica. Uma das polêmicas era a do arianismo que sustentava o Filho inferior ao Pai.
No século V, a luta contra os nestorianos que eram contrários ao título de “Mãe de Deus”,
concedido a Maria. Diante dessas heresias se intensificaram as festas da Epifania e do
Natal, além de construções em honra a Maria, Mãe de Deus.
f) Música e canto no culto cristão
Pouco sabemos das melodias e ritmos que os primeiros séculos usaram em suas
celebrações litúrgicas. Contudo, possuímos centenas de textos litúrgicos que nos podem
informar acerca desse aspecto do culto. Abundantes testemunhas dos séculos IV e V nos
fazem ver que o canto era uma atividade sumamente agradável para os fiéis, que a ele se
aplicam com entusiasmo.
Como se sabe, a antigüidade atribuía à música um extraordinário poder na esfera
psicológica do homem, assim como no âmbito religioso. A época patrística em geral
mostrou-se energicamente contrária ao uso de instrumentos musicais no culto. Os pastores
viam neles uma espécie de indício de cultos idolátricos e de espetáculos profanos, que os
fiéis devem rechaçar de vez.
No século IV, respondendo ao desejo de uma participação mais ativa do povo, surge no Oriente
um novo gênero de canto, chamado antifonal. Não é fácil precisar a verdadeira natureza dessa
forma de canto; parece tratar-se de um desenvolvimento ulterior do próprio canto responsorial.
4 – DE GREGÓRIO MAGNO A GREGÓRIO VII (590-1073)
4.1 – Contexto geral
O extenso período que vai da queda do Império Romano, em sua metade ocidental,
e o nascimento do mundo moderno, com seus estados nacionais, apresenta uma série de
características comuns. Durante esses nove séculos, que formam a Idade Média, os povos
da Europa Setentrional e Central se estendem desde o leste e o sul do Império Romano,
produzindo um tipo determinado de sociedade no plano político e cultural. No decorrer de
toda essa época, a população é fundamentalmente agrícola; em quase toda parte, além
disso, há uma sociedade de classes com latifundiários mais ou menos poderosos, estando
todos sob a autoridade feudal de um senhor mais importante ou de um rei.
Na história da Igreja, é o período em que o cristianismo se propaga por toda a
Europa. A unidade da cristandade ocidental é uma característica do período medieval que
o distingue do período precedente e, sobretudo, do seguinte. O período que vai do fim da
patrística ao começo da escolástica passou por uma transformação enorme no campo do
pensamento religioso e nas instituições correspondentes.
Não podemos deixar de mencionar que nesta época aconteceu a rápida expansão do
islamismo e estende suas fronteiras tanto no Oriente como no Ocidente.
Na história da Europa, esse período que vai da morte de Bento (548) à de Bernardo
(1156) costuma ser chamado “era monástica” ou “séculos beneditinos”.
4.2 – Linhas de evolução litúrgica
a) A figura e a obra de Gregório Magno
É sem dúvida uma personalidade única na história litúrgica ocidental. Para
compreender a obra litúrgica de Gregório Magno (590-604), é preciso levar em conta sua
formação e sua psicologia, mas, sobretudo, as circunstâncias da época que concorreram
para o seu pontificado. A peste, a fome e as tempestades assolavam a população, enquanto
Roma sofria o assédio militar dos lombardos.
Gregório Magno dá um realce à liturgia como espaço para a adequada catequese do
povo. Queria que a liturgia servisse de fato como alimento espiritual para aquele povo
simples e inculto. Realizou uma profunda renovação litúrgica, orientada para uma
finalidade pastoral. Procura simplificar os ritos, a linguagem litúrgica para que seja
acessível ao povo simples e seja isenta de pretensões literárias.
Gregório Magno realizou diversas reformas no lecionário, no sacramentário e no
antifonário. Reduziu o número de leituras a duas, em vez de três. Teve de realizar um
esforço especial na área do canto e da expressão musical, reforçando O SChola cantorum
e, com isso, o lado espetacular da liturgia cara ao povo.
Gregório Magno atuou como bispo de Roma e se preocupou em organizar a liturgia
da Urbe, e não da Igreja ocidental. Inclusive se mostrou aberto e disposto a aprender de
outras Igrejas, trazendo delas o que julgasse útil para a sua. Veja que ele escreve para
Agostinho:
“Tem sempre presente a tradição da Igreja Romana, na qual foste educado, e ama-a
sempre. Mas a mim me agrada que, se encontras na Igreja romana, ou nas da Gália, ou em
qualquer outra, alguma coisa que possa agradar mais a Deus onipotente tu a recolhas com
todo cuidado e o leves à Igreja dos anglos, ainda tão jovem na fé, juntando tudo quanto
hajas podido reunir das diversas Igrejas. Pois tens de amar, não as coisas pelos lugares,
mas os lugares pelas coisas boas que há neles. Assim, pois, escolhe de cada Igreja o que é
de piedoso, de religioso e de reto e, tendo tudo isso reunido como num ramalhete,
oferece-o como tradição à mente dos ingleses”
b) A época da liturgia romana pura
Entre os séculos V e VIII, a Igreja local de Roma conheceu seu período de maior
riqueza, de amadurecimento das formas de expressão, sua “época clássica”, anterior à
fusão com as formas franco-germânicas. Há uma espécie de “movimento litúrgico” mais
geral, que abarca toda área ocidental, fundamentada, por sua vez, numa mesma língua, o
latim cristão. Nesse marco geográfico-cultural, desenvolveu-se, em vez da oração
eucarística única, uma diversidade de elementos eucológicos: collecta, oratio super oblata,
prefácio, oração eucarística (cânon), post-communio, oratio super populum.
A missa romana, em sua época clássica, encontra-se estruturada por um tríplice
movimento interno, de traços semelhantes, que anima e dinamiza a celebração litúrgica: a
entrada solene dos celebrantes, acompanhada pelo canto de intróito, que culmina pela
oração collecta; a procissão das oferendas, acompanhada pelo canto do ofertório e
concluída pela super oblata; o movimento processional da comunhão dos fiéis,
acompanhado pelo canto de comunhão e encerrado com a oração da pós-comunhão.
Quanto ao estilo dessa liturgia romana clássica, devemos observar: sua precisão,
brevidade e sua escassa concessão ao sentimento; uma grandeza no seu estilo literário. Nos
seus elementos teológicos, a oração é sempre dirigida ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo;
é uma celebração eucarística plenamente ligada com a comunidade local e com expressão
desta.
c) A passagem da liturgia romana para o mundo franco-germânico
Essa liturgia romana em sentido estrito, que acabamos de descrever, vai emigrar
para os países francos, no princípio graças às iniciativas individuais dos peregrinos e, mais
tarde, ao apoio do poder político. Com efeito, no ano 754, Pepino, o Breve, decreta a
adoção da liturgia romana em todo o Império Franco. O motivo para isto foram políticos,
pois buscava-se uma unidade mais profunda de todo Império por meio de uma liturgia
única e uniforme; além disso, pretendia-se, com essa medida, pôr fim à concorrência
secular entre as liturgias romana e gálica e suprimir a compilação e a pouca ordem no culto
no reino dos francos.
Carlos Magno reafirmou a obrigação da liturgia gregoriana pura em todas as Igrejas
do seu império, se bem que logo teve de reconhecer que essa liturgia romana, em sua
originalidade e pureza, não satisfazia seu povo, que resistia a abandonar certas festas, ritos
e orações tradicionais.
A partir do pontificado de Gregório Magno, percebe-se em Roma uma notável
diminuição da criatividade litúrgica. Nos séculos VII-VIII, há uma grande afluência de
orientais fugitivos para a Itália e chegam a ocupar a cátedra de São Pedro e isto tem
influência na liturgia romana: a introdução na missa do agnus Dei, a adoração da cruz na
Sexta-Feira Santa e a aceitação das festas marianas (Assunção, Natividade, Purificação e
Anunciação) são alguns exemplos da influência oriental.
Mas, no século IX, a situação romana chegara a ser realmente deplorável em
muitos aspectos, incluindo-se aí o litúrgico. A vida litúrgica estava ameaçada de morte, até
com o fechamento das oficinas onde eram elaborados os livros litúrgicos. Nesse momento
crítico, a Igreja franco-germânica salva a liturgia romana para a própria Roma e para o
mundo inteiro. A liturgia não será mais puramente romana, mas mista: romano-franca ou
romano-germânica.
d) O culto se distancia da comunidade cristã
No período que estudamos, verifica-se uma série de mudanças importantes na
celebração dos sacramentos, que tem como denominador comum o progressivo
afastamento entre o povo e a ação litúrgica e, de modo definitivo, uma nova concepção do
culto. Um fator fundamental dessa situação é a língua litúrgica. Quando ‘transplantada
para o Império franco-germânico, a liturgia romana não muda de língua, porque também aí
o latim era a língua culta; mas já não era entendida senão por uma classe social reduzida,
que quase se identifica com o clero. A superioridade reconhecida à língua e à cultura
latinas impediu a tradução da Escritura e da liturgia para a língua e à cultura dialeto
romano ou germânico. Além disso, a partir da Alta Idade Média entra em vigor a idéia de
que o documento que se deve usar na ação litúrgica é um texto reservado exclusivamente
ao sacerdote: o latim é a língua sagrada que envolve o mistério litúrgico.
A partir do século VI, generaliza-se o batismo de crianças. A pastoral da Igreja e o
direito civil (com suas penalidades e sanções) se unem para consolidar essa prática de
dotá-la de um caráter de obrigação cada vez mais estrita. Logicamente, desaparecem pouco
a pouco, com essa mudança, os catecúmenos adultos. A iniciação cristã, que em épocas
anteriores fora objeto de celebração solene e comprometida de toda a comunidade, passará
paulatinamente a ser um assunto individual ou familiar. A fragilidade dos recém-nascidos,
a mortalidade infantil, leva a equipará-los aos enfermos e a conceder-lhes o sacramento em
qualquer dia do ano e quam primum.
A antiga instituição penitencial, “segundo batismo” não-reiterável, com seu
processo de três tempos, era essencialmente comunitária. A partir do século VI, surge uma
nova disciplina penitencial que, a partir das ilhas anglo-saxônicas, se estende ao
continente, graças a Columbano e a outros monges irlandeses. Com efeito, fixara-se
naqueles monastérios um preço a ser pago pelas faltas, tanto para as que tinham caráter de
pecado como para as meramente disciplinares. Por outro lado, os monges eram
conselheiros espirituais dos leigos e começaram a estabelecer para esses “tarifas”
penitenciais semelhantes às dos monastérios. A expiação variava de acordo com o pecado.
Essa expiação, que consiste sobretudo em jejuns, admite “resgates” de penitência: assim,
um ano de jejum pode ser resgatado por uma determinada cota de missas, de que se
encarregam, mediante um determinado estipêndio, os mosteiros ou igrejas. Esse resgate
penitencial, que pode ser realizado inclusive por terceiros, elimina a expiação pessoal e
efetiva por parte do pecador e degenera em evidentes abusos. O único ato que ainda cabe
ao penitente, e que resumirá daí por diante todo o processo penitencial, é a confissão;
desse modo, esvazia-se a penitência de toda dimensão comunitária.
Mas o exemplo mais evidente do distanciamento entre o culto e a comunidade é a
aparição da missa privada, celebrada apenas pelo celebrante, sem relação direta com uma
assembléia presente ou com necessidades pastorais. Nesse sentido, a prática da missa
privada surge nos séculos VI-VII e se generaliza no VIII. Esse costume tem como origem
os mosteiros, onde, a partir dessa época, há uma multiplicação de monges sacerdotes, que
têm na celebração da missa um exercício individual de piedade.
Essa mudança na eucaristia, que de expressão fundamental da comunidade cristã
passa a patrimônio exclusivo do sacerdote (monge ou não) celebrante, bem como um
exercício de piedade individual, é o resultado de uma profunda transformação teológica e
eclesial. Com efeito, a partir do século VII, a sensibilidade religiosa franco-germânica
acentua a importância da pessoa privada, a expensas do valor comunitário. Por outro lado,
concebe-se o culto como uma série de ações destinadas a conseguir a salvação do
indivíduo; à multiplicação dos atos de cultos, atribui-se uma multiplicação automática das
graças para a salvação; a missa é o remédio inigualável para alcançar essas graças, é a
resposta eficaz à angústia com relação à própria salvação. Em conseqüência,
multiplicam-se as missas votivas por pessoas ou necessidades individuais ou para
substituir ações de mortificação.
Esse fenômeno envolve notáveis conseqüências de toda ordem: a multiplicação de
missas traz consigo a multiplicação do número de sacerdotes (“altaristas”) e uma
transformação básica na auto-compreensão do ministério; assim a multiplicação de
monges sacerdotes, que satisfazem a piedade popular com missas pagas por estipêndios,
tem como efeito econômico o enriquecimento dos mosteiros. Num nível mais estritamente
litúrgico, devemos assinalar uma dupla conseqüência: a proliferação de altares nas igrejas
e o surgimento do missal completo. De fato, com o aparecimento da missa privada, o
celebrante vê-se obrigado a recitar, sozinho, todas as leituras, cantos e preces designadas
para a celebração comunitária. Ambos os fatos são a tradução ritual da ruptura entre
eucaristia e comunidade.
e) O modelo do Antigo Testamento na liturgia cristã
Uma situação de cristandade se define pela presença e incidência da mensagem
cristã nas estruturas públicas da sociedade. Nessa perspectiva, era lógica a referência aos
modelos oferecidos pelo povo da antiga aliança, já que o específico de Israel consiste em
ter sido chamado a ser o povo e nação, ao mesmo tempo que povo de Deus, com um
regime muito característico de segregação e sacralização cúlticas.
De fato, depois das invasões dos bárbaros, os bispos e os concílios, em sua
tentativa de catequizar e moralizar esses novos povos, recorrem ao apoio do Antigo
Testamento.
Essa nova visão, orientada pela pastoral, é percebida de imediato no campo da
expressão litúrgica. Para as consagrações das igrejas exige-se um cerimonial semelhante ao
do AT, com aspersões, unções e incensamentos. Na mesma época, a ordenação sacerdotal,
feita até então por meio de mera imposição de mãos, recebe o rito da unção das mãos.
Essa mentalidade judaizante adquire especial incidência na regulamentação do
domingo cristão. A partir das migrações nórdicas, a Igreja lida com populações batizadas
em massa, depois de uma preparação muito rápida e deficiente. Os bispos e concílios da
época esforçam-se por implantar o repouso dominical, para permitir que seus fiéis assistam
à missa, centro do culto e da catequese cristãos. Para isso, a legislação eclesiástica proíbe
nesse dia os trabalhos agrícolas. A disciplina para o cumprimento do repouso dominical é
baseada na mesma disciplina usada pelos judeus para a observância do sábado. Também é
judaizante o sistema de sanções, que funciona contra as infrações do repouso dominical,
recorrendo até a castigos físicos.
4.3 – Reflexão litúrgico-sacramental
a) As etimologias de Isidoro de Servilha
Assim descreve Isidoro de Servilha a realidade sacramental:
“Numa celebração, sacramento consiste em realizar algo que se deve ser entendido
com um significado concreto e que há de ser recebido santamente. Sacramentos são o
batismo, a crisma, o corpo e o sangue do Senhor. E se chamam “sacramentos” porque, sob
seu envoltório de coisas materiais, a virtude divina realiza em segredo o poder salvador
desses sacramentos. Daí por que o seu nome tem origem, seja em suas virtudes “secretas”,
seja em seu caráter “sacro”. Nas mãos da Igreja, sua ação é frutífera, porque,
permanecendo nela o Espírito Santo, realiza ocultamente o efeito desses sacramentos. Em
conseqüência, sejam bons ou maus os sacerdotes que, na Igreja de Deus, administram os
sacramentos, por ser o Espírito Santo quem misticamente lhes dá a vida – e que, nos
tempos apostólicos, se mostrava em suas obras visíveis -, nem seus frutos são maiores
pelos méritos do bom sacerdote que os administra, nem são tampouco menores porque os
administre um mau, já que “aquele que planta nada é; aquele que rega nada é; mas importa
tão-somente Deus, que dá o crescimento”(1Cor 3,7). Por isso em grego é-lhes dado o nome
de “mistério”, porque sua atividade é secreta e enigmática”.
Muitas outras etimologias de Isidoro exercem um notável influxo na concepção
sacramental da Idade Média, mas talvez nenhuma delas supere a interpretação da
“eucaristia” como bona gratia. Com ela, ocorre uma mudança fundamental na expressão
central do culto cristão; a eucaristia como bona gratia será o recurso teológico que justifica
a multiplicação de missas, com todas as suas seqüelas teológico-litúrgicas.
b) A explicação da liturgia
Como atesta a história das religiões, os cultos não-cristãos renunciaram, com
freqüência e deliberadamente, a ser compreendidos; todavia, a liturgia cristã, segundo a
lógica da encarnação, não pode aceitar essa renúncia. Já no século IV, encontramos
algumas explicações da liturgia.
No despontar da Idade Média, percebe-se a necessidade de explicar as formas
litúrgicas herdadas da tradição. Isso é feito, não enfatizando seu sentimento real, mas
buscando no desenvolvimento exterior do culto um significado novo e oculto, enquanto se
prescinde por completo dos textos, redigidos numa língua estranha ao povo. Trata-se dos
comentários alegóricos, que tanta difusão conheceram a partir dessa época. Esse
procedimento alegórico foi usado para explicar uma liturgia que se tornou obscura para o
povo.
Na alegoria desaparece a realidade histórica dos acontecimentos, ou seja, da pessoa,
passando-se a uma visão verdadeiramente objetiva. Mas a liturgia, sendo já sinal da
realidade sacramental, não tem necessidade de um novo sentido às pessoas, às coisas e aos
gestos. Ex.: Amalário (século IX): “Na missa o cálice do Senhor é o Sepulcro e o
Celebrante é José de Arimatéia. O Arce-diácono é Nicodemos. Os Diáconos que estão
atrás do celebrante são os apóstolos, que na Paixão do Senhor se ocultaram por medo dos
judeus. Os Sub-diáconos, que estão de pé perto do celebrante, são as mulheres que, sem
medo, estavam aos pés da cruz de Jesus. Tudo isso porque faltava uma catequese, uma
teologia litúrgica. A liturgia era somente espetáculo. O clero era “dono” da liturgia. Tudo o
que dela se podia dizer aos leigos resumia-se nisto: sobre as vestes, sobre os gestos (sete
beijos, cinco voltas para o povo, quatro reverências, 25 sinais da cruz).
Sobre as palavras: algumas ditas em voz alta, outras em voz baixa. Todo esse
alegorismo não agradava o povo; por isso, no fim da Idade Média, surge um novo
movimento: o devocionismo.
5 – DE GREGÓRIO VII A TRENTO (1073-1545)
5.1 – Contexto geral
A partir do ano 1000, sobretudo nos séculos XII e XIII, ocorrem grandes
transformações em todos os domínios. A Idade Média conhece uma espécie de “revolução
comercial”; a economia se anima, o trabalho se especializa, multiplicam-se as trocas e
vendas e as correntes emigratórias do campo para a cidade se intensificam. Um vasto
movimento de retorno às fontes transforma a espiritualidade: a vida apostólica, a vida de
Jesus e de seus discípulos é a norma de diversas correntes espirituais que surgem nessa
época: as novas ordens se entregam mais à pregação popular e às obras de misericórdia do
que à celebração do ofício dentro dos muros dos mosteiros: é esse o novo estilo de vida
ativa presente entre os homens, estilo que partilha suas necessidades e labores.
A volta às fontes cristãs é acompanhada por um retorno as clássicos antigos, bem
como às ciências, ao direito romano em particular. Multiplicam-se as traduções e acesso
aos tratados científicos árabes, bem como aos novos textos gregos, judaicos, persas ou
hindus. A entrada de Aristóteles e de seus comentadores propõe um método empírico e
indutivo de acesso à realidade. Os descobrimentos geográficos revelam a diversidade e as
riquezas da Terra; as descobertas técnicas nas áreas de medicina, botânica e zoologia
corroboram o ponto de vista empírico-científico.
A Idade Média caracteriza-se por uma visão do mundo e por um método
intelectual. A razão adquire direito de cidadania na investigação do universo. São os
séculos da grande escolástica com Alberto Magno, Boaventura e Tomás de Aquino. O
papado, assim como o movimento monástico, é reformado e adquire prestígio.
Todavia, já nas primeiras décadas do século XIV, esse edifício cultural do medievo
começa a ruir; o ano de 1348, o da “peste negra”, poderia ser a data simbólica do início de
um duradouro período de desastres e calamidades, que configuraram o “outono da Idade
Média”. As guerras e epidemias aumentam consideravelmente as taxas de mortalidade,
criando um clima cultural específico que teve profundas repercussões no plano religioso.
Os papas começam a residir em Avinhão e o pontificado se desgasta numa multiplicidade
de conflitos internos e externos. É a época dos nacionalismos e dos descobrimentos por
parte de Portugal e Espanha.
5.2 – Linhas de evolução litúrgica
a) A renovação do papado e a unificação da liturgia ocidental
Passada a decadência litúrgica sofrida por Roma no século x, os grandes papas da
Reforma, Gregório VII e Inocêncio III, voltam a controlar a situação também no domínio
litúrgico. Em termos concretos, Gregório VII usa a liturgia como fator de convergência,
tendo em vista sua intenção mais ampla de renovar a vida eclesiástica. Sua reforma
litúrgica tem como meta a afirmação da autoridade papal; o uso em todas as Igrejas do
ordo litúrgico romano devia ser considerado garantia da verdade e um tributo espiritual à
“mãe” de todas as Igrejas ocidentais. Ele suprime a liturgia visigoda na Espanha e a
substitui pela romana.
A partir do pontificado de Gregório VII, as diversas Igrejas ocidentais vêem-se
obrigadas a adotar as práticas litúrgicas de Roma e a observar a legislação cúltica do Papa.
Apesar da iniciativa de Guilherme Durando, bispo de Mende (França) em 1285, ter feito
um trabalho de mesclar uma liturgia com elementos romanos e outros ritos mais
conformes à cultura franco-germânica, a liturgia acabou sendo fixada, ainda mais com a
invenção da imprensa (1436-1440).
b) Pregação e liturgia
Nos primeiros séculos, a pregação homilética constitui um dos principais deveres
do bispo; em algumas regiões, os presbíteros também podem pregar, mas a prática não é
aceita em outras Igrejas. A pregação litúrgica devia ser feita todos os domingos e dias
festivos; contudo, a prática nem sempre parece corresponder à norma, razão por que o
historiador Sozomeno (da metade do século V) chega a afirmar que em seu tempo não se
prega em Roma.
Já no início da Idade Média, percebe-se em toda parte uma sensível diminuição da
pregação. Não podemos nos esquecer que isto se deve ao escasso nível de preparação
doutrinal dos presbíteros da época.
Nas últimas décadas do século XII, diversos movimentos, como o de Pietro Valdo,
e, um pouco mais tarde, a aparição das ordens mendicantes, produzem um novo
florescimento, senão da homilia, ao menos da pregação para o povo. Essa nova pregação
atrai a massa popular, apesar das amargas críticas dos párocos, que vêem seus fiéis indo às
igrejas dos mendicantes.
Passado esse período álgido da escolástica do século XIII, a decadência da teologia
coincide com a da pregação. Ocorre o abandono de valores fundamentais que noutras
épocas haviam garantido a vitalidade do sermão ou da homilia: seu vínculo interior com a
liturgia celebrada, a inspiração no texto sagrado e preocupação com a simplicidade. Os
sermões ficam cada vez maiores e floridos. Em vez de pregar sobre a liturgia de cada
domingo ou festa do ano litúrgico, organiza-se agora sermões de advento ou de quaresma;
abordam-se temas amplos e sistemáticos (como os sete pecados capitais ou os sete
sacramentos) ou problemas especulativos como “os motivos da encarnação”. Os sermões
assemelham-se a tratados teológicos.
c) Nova piedade eucarística
No final do século XII, introduz-se uma nova atitude para com a eucaristia, cujo
efeito não foi a aproximação, mas o distanciamento do sacramento. Já não se recebe
apenas o sacramento eucarístico; os fiéis se contentam em admirar, contemplar e adorar de
longe o augusto sacramento.
A freqüência dos fiéis à comunhão, seus altos e baixos segundo a época e os
motivos teológicos envolvidos na evolução dessa prática constituem um tema de grande
interesse para a história da liturgia. O costume primitivo, até a entrada do século IV, era
receber a comunhão em cada celebração eucarística. Mas já a partir do século V, diminui
manifestamente, ao menos em algumas regiões, a freqüência à comunhão.
Quanto ao motivo que pode ter influído na queda dessa prática, não podemos
invocar, tão-somente, a tibieza ou a falta de espírito cristão da época; é sintomático que,
também nos mosteiros mais zelosos, a freqüência à comunhão não excede a dos fiéis. É
possível que a luta contra o arianismo, tanto no Oriente como no Ocidente, tenha deixado
como seqüela a valorização unidimensional de Cristo como Deus, deixando bem na
penumbra sua natureza humana e sua função mediadora. Com isso se acentua a imensa
distância entre a majestade divina e o homem pecador; costumava-se falar da eucaristia
como “altar terrível”, como mysterium tremendum.
Mas ao mesmo tempo em que diminui tão sensivelmente a prática da comunhão
eucarística, surgem no povo cristão o desejo e a ânsia incontíveis de ver, contemplar e
adorar o santíssimo sacramento. O desejo de ver a sagrada forma é cultivado pelos
teólogos, mas, sobretudo, pelos pregadores, que chegam a equipará-lo ao próprio ato da
comunhão.
Nesse clima, vão-se introduzindo novas expressões de reverência, a fim de
convidar os fiéis a dirigirem sua atenção para o sagrado momento da consagração: o toque
da campainha, a vela acesa, inclinações do sacerdote diante do corpo de Cristo, o costume
de juntar os dedos que tocaram a santa hóstia etc. A genuflexão antes e depois de tocar as
sagradas espécies, o que envolve com um novo halo de mistério a seqüência da missa que
vai da consagração à comunhão. No “outono da Idade Média”, a reverência diante do
santíssimo alcança extremos desconhecidos; há uma proibição absoluta ao toque das
espécies sacramentais por mãos não-consagradas, mesmo que, por essa razão, um
moribundo fique sem receber o viático.
Os fiéis que apenas participam da celebração, acostumaram-se a ser meros
espectadores, bem como adoradores distantes da hóstia consagrada. Festa de Corpus
Christi, em 1264, se estende a toda a Igreja, dentro desse espírito de fervor eucarístico.
d) “Christus secundum carnem”, a Virgem e os santos
O gótico não é apenas um estilo arquitetônico, é todo um estilo de vida. No plano
religioso, revela-se uma nova sensibilidade, um crescente intimismo, uma tendência a ver
e a experimentar de modo sensível, uma acentuação da dimensão subjetiva antes fatores
objetivos, um amor apaixonado pelo concreto e pelo realista. Todas essas características
compõem o novo tipo de piedade que surge nessa época com relação à figura de Jesus, de
sua mãe, Maria, e dos santos, principalmente daqueles que tiveram um relacionamento
mais íntimo com a vida humana do Senhor.
A espiritualidade cristã de todas as épocas teve como centro a pessoa de Cristo.
Mas na Idade Média a figura do Cristo glorioso fica como num segundo plano, submersa
na majestade de Deus trino: o Cristo “pneumatológico” desaparece de certo modo da visão
dos fiéis e o “Christus secundum carnem” ocupa um lugar privilegiado. Em síntese: o
primeiro milênio contemplava o Cristo pascal e o segundo o Cristo do Natal. A
humanidade de Cristo foi o objeto preferido da vida religiosa medieval, centrando-se a
atenção exclusivamente no começo e no fim da vida terrena de Jesus.
O impulso dado à celebração do mistério do natal traz consigo um aumento
crescente da devoção à Mãe de Deus. É importante assinalar, entretanto, que, nessa época,
Maria nunca aparece sem o Filho; o tema da Virgem sempre aparece relacionado com a
pessoa do Salvador, mantendo estreitos vínculos com os mistérios da vida de Jesus,
sobretudo sua infância.
No culto mariano da Idade Média, podem-se observar duas fontes: a liturgia oficial
da Igreja e o fervor privado dos fiéis e dos santos. Enquanto no século IX a devoção à
Maria coincide quase totalmente com a liturgia, a partir do século XII a corrente de
piedade popular adquire uma autonomia cada vez maior. Nasce o costume de tocar os
sinos para o Ângelus, primeiramente ao entardecer, depois pela manhã e ao meio-dia;
aumentam as festas marianas como a da apresentação de Maria no templo, a visitação de
Maria a Isabel etc.
Ao lado da devoção Mariana, a Idade Média cultiva com grande fervor a devoção
aos santos; eles formam a ponte para chegar a Deus e preenchem de alguma maneira o
vazio deixado pela evolução do tema cristológico. Os santos passam a ser patronos e as
pessoas serem chamadas pelo nome dos santos. O fenômeno das corporações tornou a
devoção aos santos muito popular.
A partir do século XII, cada basílica tem uma tabula exposta ao público, onde são
indicadas as relíquias que ali se conservam, bem como as indulgências concedidas. Nas
decorações das igrejas os santos tomam preferência e até no altar-mor e nos altares laterais.
Recebem os santos uma atribuição especial diante de Deus, intercedendo em favor dos
devotos.
e) A liturgia no “outono da Idade Média”
O excesso de festas tem causado desordens e imoralidade, além de prejuízos
econômicos pelos diaristas. São cultivados muitos vícios devido a tantas festas. Por isso
começou uma discussão para diminuir o número de festas, ficando mais com a dos
apóstolos e algum santo muito importante.
Esse não é senão um aspecto da situação de decadência e de mal-estar reinante na
última fase da Idade Média. Ainda mais preocupante era a mentalidade difundida acerca
dos “frutos da missa”. A Santa Missa como benefício para vivos e mortos torna-se o tema
fundamental da pregação sobre a missa, enumerando-se os frutos dela obtidos, mesmo com
a mera assistência. Esses frutos da missa adquirem um perfil sempre mais materializado;
com a multiplicação das missas votivas, bem como com a combinação de séries
determinadas de ofícios (como as trinta missas gregorianas), acredita-se que se conseguiu
de maneira infalível o “fruto” da missa, a salvação da alma. Com esses recursos nas mãos
do clero, o povo é estimulado a freqüentar e a encomendar missas votivas, multiplicando
as missas de modo anormal e aumentando desmesuradamente o número de “altaristas”, um
proletariado clerical que vive praticamente de salários, o que é ao mesmo tempo causa
associada e efeito dessa mentalidade fora do comum e exacerbada acerca da missa.
A partir do momento em que esses abusos começam a ser introduzidos, não faltam
vozes de alarme, no próprio corpo da Igreja, que criticam a situação e apontam os
remédios adequados. Já no século XII, Pedro Cantor advertia: “Fazem falta menos igrejas,
menos altares, menos sacerdotes, mas melhor escolhidos”. Um pouco mais tarde,
Francisco de Assis admoesta da maneira seguinte os irmãos de toda ordem: “Exorto no
Senhor que, nos lugares onde moram irmãos, celebre-se apenas uma missa por dia, de
acordo com o costume da Santa Igreja. E se houver no lugar mais sacerdotes, que cada um
se contente, pelo amor à caridade, com o ouvir a celebração de outro”.
No século XV surge um intenso movimento espiritual que se denominará “devotio
moderna”. Caracterizado pelo realismo psicológico, pela desconfiança com relação aos
gestos brilhantes e heróicos, pelo amor à seriedade, à lucidez e à moderação prudente, esse
movimento enfatiza mais a oração interior do coração do que a oração vocal e a ação
litúrgica.
6 – DE TRENTO AO MOVIMENTO LITÚRGICO (1545-1909)
6.1 – Contexto geral
A reforma protestante tem duas vertentes de explicação. Pode-se vê-la, de um lado,
como a resposta revolucionária ao fato de não ter sido feita a reforma interna da Igreja no
séculos XIV e XV, ou, ao menos, de não ter sido realizada a tempo; nesse sentido, o
“outono da Idade Média” constitui o condicionamento histórico básico da reforma
protestante. Ma há outra perspectiva igualmente importante para captar-lhe o significado: a
Reforma protestante surge ao lado dos grandes acontecimentos ocorridos em torno de
1500, tais como o descobrimento da América, a invenção da imprensa etc., que
determinam o surgimento de uma nova época histórica, a Idade Moderna.
Por outro lado, a exigência de um Concílio universal estava vivamente presente
desde a época de Constança e Basiléia; é verdade que havia muitos intentos de reforma
interna, mas estes careciam de energia criadora e transformadora capaz de alcançar a
reforma de toda a Igreja, Assim, portanto, o principal alvo dos esforços do Concílio de
Trento estava determinado de antemão pela própria situação da Igreja, que apresentava
duas frentes fundamentais: os problemas internos, de extraordinária gravidade, de um lado,
e a inovação protestante, de outro.
O século XVII é o século do barroco. O grandioso, o sentimento exaltado, a “fúria
heróica” caracterizam o barroco, assim como o entusiasmo da vitória e do triunfo,
expresso com um vigor autenticamente criativo. O barroco encarna, sem dúvida, a
consciência eufórica de ter salvo a fé e a Igreja e de estar com a verdade.
Por volta do final desse século, percebe-se uma espécie de crise na consciência
européia, que abre as suas portas ao século do Iluminismo. A uma civilização
fundamentada na idéia do dever, para com Deus e para com o príncipe, segue-se agora uma
civilização baseada no direito, na consciência individual e na razão, do homem e do
cidadão. O homem, e só ele, é a medida de todas as coisas; e é, por isso mesmo, sua razão
de ser e seu alvo. Essa nova concepção empreende um trabalho inicial de demolição do
antigo edifício fundado sobre a religião revelada, a hierarquia, a disciplina, a ordem e a
autoridade; mas, em seguida, tenta construir os alicerces da futura cidade: uma política
sem direito divino, uma religião sem mistério, uma moral sem dogmas.
No século XIX, a Igreja depara com uma cultura em larga medida a-religiosa e
antieclesiástica, uma cultura não-cristã que se tornou pouco a pouco independente dela.
Esse século é herdeiro do múltiplo trabalho desagregador dos quatro séculos precedentes,
com destaque para a Ilustração e a Revolução Francesa. Acontecimentos particularmente
significativos no campo eclesiástico são a abolição dos Estados pontifícios. Em 1870, bem
como as sucessivas secularizações dos bens eclesiásticos nos diversos países católicos.
O século XIX se manifesta como uma época cansada, incapaz de resolver os seus
problemas com critérios próprios. Todavia, é também um tempo em que se manifestam
forças novas e poderosas: a industrialização, a técnica, o proletariado como base social, o
movimento socialista etc.
6.2 – Linhas de evolução litúrgica
a) Os reformadores e o culto
Os primeiros escritos de Lutero estão plenos de preocupação pastoral, devido aos
abusos do seu tempo, mas se mantêm na perspectiva da tradição. Seus companheiros
Karlstadt e Zwilling são os primeiros a organizar uma “missa evangélica”, a abolir as
missas privadas e proibir a adoração ao Santíssimo Sacramento. Na obra De captivitate
babylonica (1520), Lutero ataca não apenas a missa privada, mas o sacrifício da missa em
geral. Apesar da radicalidade dessa obra, Lutero ainda vacila em introduzir um novo culto.
No Natal desse mesmo ano, Karlstadt celebra diante de uma grande assembléia a “missa
alemã”, pronunciando o relato da instituição em voz alta e em alemão e omite o resto do
cânon com a elevação; a comunhão é feita sob as duas espécies e, na celebração, ele
enverga vestes seculares. Dias depois, Zwilling dá a senha para que se destruam as
imagens e se suprimam todos os altares laterais.
Lutero protesta energicamente contra as inovações de Karlstadt e seus
companheiros, por não respeitarem as consciências dos débeis e colocam em risco os seus
próprios princípios teóricos; o apreço que ele como humanista e pedagogo tinha pelos
valores culturais da língua latina; e o desejo de uma criatividade conjunta, de texto e
música, a partir da própria língua materna, sem cair em imitações superficiais. Contudo, na
prática, a liberdade concedida por Lutero às comunidades, bem como o seu temor das
formas obrigatórias, provocaram uma proliferação anárquica de expressões litúrgicas.
Um dos mais importantes pontos das reformas litúrgicas luteranas foi o uso da
língua vernácula na celebração. O culto cristão é para Lutero um culto da Palavra; ora, esse
culto da Palavra não pode ser realizado de maneira frutífera pela comunidade se a Palavra
não for compreendida, isto é, se não for recebida na língua vulgar.
b) O trabalho litúrgico do Concílio de Trento
Nos três períodos sucessivos do Concílio, esteve muito presente o tema
sacramental, como réplica às proposições dos reformadores. Na sessão XXII,
imediatamente depois do decreto sobre o sacrifício da missa, é aprovado o Decretum de
observantis et evitandis in celebrationes missae. Já no início do Concílio, 20 de julho de
1547, fora formada uma comissão especial para recopilar os abusos que ocorriam no
sacrifício da missa. Podemos classificar os diversos abusos sob as rubricas da avareza,
irreverência e superstição.
De todo o trabalho acumulado, só foram aprovados pelo plenário de 10 de setembro
de 1562 nove cânones de reforma: 1. a cobrança de honorários pela missa; 2. a missa sicca;
3. a celebração de várias missas ao dia; 4. a substituição da missa dominical por missas
votivas ou de mortos; 5. introduzir nas catedrais e igrejas uma missa de mortos conventual;
6. o lugar da missa é a igreja consagrada, embora o ordinário possa admitir exceções; 7.
prescrições sobre a limpeza de vasos e ornamentos usados na missa; 8. todos os textos
recitados e cantados da missa devem ser inteligíveis aos ouvintes; 9. os excomungados e
pecadores públicos devem manter-se longe da missa.
A respeitos da reforma do missal e do breviário foi confiada ao Papa. Quanto à
língua litúrgica se estabeleceu o seguinte: “Embora a missa contenha uma grande instrução
do povo fiel, não pareceu aos Padres que fosse conveniente celebrá-la de ordinário em
língua vulgar. Por essa razão, mantido em toda parte o rito antigo de cada Igreja e
aprovado pela Santa Igreja romana, mãe e mestra de todas as Igrejas, a fim de que as
ovelhas de Cristo não padeçam fome nem os pequeninos peçam pão e não haja quem o
reparta, ordena o santo Concílio aos pastores e a quantos caiba a cura de almas, que
freqüentemente, durante a celebração das missas, diretamente ou representados, exponham
algo a cerca do que se lê na missa e, entre outras coisas, declarem alguns mistérios desse
santíssimo sacrifício, em especial aos domingos e dias festivos”.
O teor do texto, esclarecido pelas atas do Concílio, mostra com clareza que os
argumentos apresentados em Trento para defender a língua latina têm natureza
circunstancial. Mais tarde, quando os teólogos e apologistas passam a justificar o uso do
latim, essa disposição conciliar será esquecida e os argumentos de conveniência serão
substituídos pelos dogmáticos. Desse modo, a língua latina será a expressão da unidade da
Igreja e o remédio eficaz conta as heresias.
A reforma dos livros litúrgicos, confiada ao Papa na última sessão, não tardou a ser
realizada. Pio V editou o Breviarum romanum (1568) e o Missale romanum (1570);
Clemente VIII, o Pontificale romanum (1596) e o Cerimoliale episcoporum (1600) e Paulo
V, o Rituale romanum (!614).
A inovação mais importante foi, sem dúvida, a disposição que aparece na bula Quo
primum tempore, apêndice da edição do Missale romanum: esse missal deveria ser a única
forma para todas as Igrejas; doravante nada poderia se afastar dele, exceto se provasse ser a
modificação fundamentada numa tradição de pelo menos dois séculos.
c) A liturgia na época do barroco
Depois do Concílio de Trento, emana do interior da Igreja católica um sentimento
de segurança, uma sensação de se pisar solo firme depois da crise causada pela Reforma
protestante. Uma atmosfera de triunfo e de festa invade também o recinto e a expressão
cúlticos. As Igrejas construídas no barroco têm o ar de um elegante salão de espetáculos,
com paredes de mármore e ouro, com pinturas no teto, ao qual não faltam os palcos e as
galerias.
Esse é o século de ouro da polifonia. Do ponto de vista musical, a “missa” é
considerada uma peça à parte, que inspira múltiplas criações artísticas. É o período da
exaltação do Santíssimo Sacramento, com a festa de Corpus Christi recebendo todo
esplendor, exatamente para combater a doutrina dos protestantes. O século XVII também
foi chamado de “século da exposição freqüente”.
Pela segunda vez na história da liturgia (a primeira foi na época constantina), o
cerimonial da corte é incorporado à liturgia; mas, desta feita, esses gestos honoríficos não
têm por destinatários os bispos e sacerdotes, mas a presença sacramental do Senhor, o
Cristo eucarístico, Rei dos reis.
Outro pólo fundamental da piedade do barroco é Maria, Mãe de Deus.
Multiplicam-se as grandes peregrinações marianas e as novas festas em sua honra: as
festas do Rosário, do Nome de Maria, das Mercês, do Carmo, da Imaculada Conceição etc.
A liturgia romana, em seus livros perfeitamente codificados, mantém-se diante do
povo como uma urna lacrada, mais um assunto submetido à alta legislação eclesiástica, a
que se obedece com fidelidade, mas que já deixou de ser um princípio ativo da
comunidade cristã. É um período de hibernação ou de petrificação litúrgica.
d) As tentativas de reforma litúrgica no século do Iluminismo
A polêmica com os protestantes inclinou os teólogos católicos a considerarem a
eucaristia e a liturgia do ponto de vista dos aspectos que eram negados pelos adversários; é
o que acontece com o tema da presença real, do sacrifício e do sacerdócio. Já que os
reformadores negam um sacerdócio especial, os católicos se encarregam de reafirmar tudo
aquilo que distingue e separa o sacerdote do povo. Entre as preocupações pastorais da
Contra-Reforma, não brilha o desejo de uma participação comunitária dos fiéis na ação
litúrgica. O culto permanece como na Idade Média, uma prerrogativa do clero e da
hierarquia.
Mas no século XVIII, o século da Ilustração, começa a manifestar-se em diversos
lugares um descontentamento geral com a situação real da liturgia; vão surgindo também
tentativas de renovação litúrgica, cujas orientações de fundo são o desejo de uma maior
participação comunitária, a exigência de uma maior simplicidade, que implica evitar no
culto todo elemento supérfluo, e o uso da inteligência para compreender o que acontece na
liturgia com vistas a uma maior edificação dos fiéis. Essas tentativas, contudo, não foram
coroadas de êxito.
Houve um Sínodo em Pistóia (1786), que apresentou vários pontos necessários
para serem reformados no campo da liturgia: um só altar em cada templo, participação dos
fiéis, abolição da cobrança pela missa, redução das procissões, música simples, grave e
adaptada ao sentido das palavras, ornamentação que não ofenda nem distraia o espírito,
reforma do breviário e do missal, um novo ritual, redução do excessivo número de festas,
leitura em um ano da Sagrada Escritura no ofício etc.
Todavia, esses postulados de reforma estavam delimitados e condicionados pelas
perspectivas próprias da época da Ilustração. A liturgia não era considerada como uma
ação salvífica de Cristo, da qual a comunidade participa, mas uma função educativa do
povo, um meio para o progresso moral do indivíduo. Disso decorre a valorização da
pregação, a exigência de compreensão dos textos litúrgicos.
e) A restauração no século XIX
As carências e erros da época anterior, o século da Ilustração, provocam uma forte
reação no âmbito católico. Contra o postulado de uma religião confinada aos limites da
pura razão, proclamado pelo Iluminismo, o século XIX reafirma o princípio da revelação,
do dogma da tradição, assim como o respeito devido à hierarquia da Igreja. Essa
valorização da tradição tem seu reflexo na liturgia; o gosto pelas orações latinas e pelas
antigas cerimônias e rubricas, bem como o entusiasmo pela música gregoriana
caracterizam essa época da Restauração.
A reforma da música sacra foi de fato um dos objetivos prioritários do século XIX.
Sobretudo a partir do barroco, o canto da Igreja se achava impregnado de um espírito
teatral; o concerto e o belo canto se haviam apropriado do marco formal do culto. As
repetidas advertências e condenações contra essa profanação do canto e da música nos
templos tinham permanecido letra morta. Agora, faz-se um trabalho sério de depuração do
gosto e do estilo da música sacra; procura-se a restauração do canto gregoriano autêntico,
tarefa a que se dedicam com afinco, entre outros, os monges de Solesme, animados por
Guéranger; o “movimento ceciliano” se esforça por difundir os novos princípios do canto
eclesiástico, defendendo o canto gregoriano em latim e condenando a mistura com textos
em língua vulgar.
Mas esse movimento ainda não patrocina a participação do povo na ação litúrgica;
o culto cristão chega a ser considerado como realidade intangível e misteriosa, obra
perfeitíssima do Espírito, ao abrigo de toda evolução histórica, envolto pelo halo protetor
de uma língua sagrada: a língua latina.
Nesse contexto, surge a figura, sob tantos aspectos meritória, do abade Próspero
Guéranger (1805-1875). Guéranger exige um retorno incondicional aos livros autênticos
da liturgia romana pura. Absolutamente convencido do valor insubstituível da tradição
cristã, venera com entusiasmo a liturgia tradicional; e, autor de grandes obras como
Institutions liturgiques e L’année liturgique, D. Guéranger, no entanto, é partidário de uma
explicação completa dos textos e cerimônias do culto diante do povo. Ficaram para trás os
objetivos de sobriedade e da racionalidade do Iluminismo na área da liturgia.
7 – O MOVIMENTO LITÚRGICO
7.1 – O retorno à liturgia
Com D. Guéranger, abade de Solesme, surgem as primeiras manifestações do que
mais tarde será chamado movimento litúrgico. Como bem afirma Bouyer, nada há nesse
movimento cuja origem não esteja em Guéranger.
O abade de Solesme restaurou a ordem beneditina em seu país, foi um infatigável e
ardente opositor de toda forma de jansenismo, galicanismo e laicismo, tendo unido os
católicos em torno do papado.
Com ele tem início o retorno à liturgia romana, promovido pela descoberta das
riquezas espirituais e teológicas desta.
A mentalidade de Guéranger pode ser condensada nas seguintes teses: a liturgia é
por excelência a oração do Espírito na Igreja, é a voz do corpo de Cristo, da esposa orante
do Espírito; há na liturgia uma presença privilegiada da graça; nela se encontra a mais
genuína expressão da Igreja e de sua tradição; a chave de inteligência da liturgia é a leitura
cristã do antigo Testamento, bem como a do Novo apoiada no Antigo.
A descoberta da liturgia foi para Guéranger descoberta do mistério da Igreja, por
meio da experiência espiritual dessa mesma liturgia e da leitura assídua dos padres,
artífices das primeiras formas da liturgia romana. A contemplação do mistério da Igreja
anima a espiritualidade do abade. A Igreja como corpo e esposa de Cristo contrasta com a
piedade individualista pós-tridentina que Guéranger critica.
7.2 – A pastoral litúrgica
No congresso de Obras Católicas (Malines, 1909), foi lançado propriamente o
movimento litúrgico. Seu promotor foi D. Lamberto Beauduin (1873-1960), que de
sacerdote dedicado ao mundo operário passara a monge beneditino de Monte César.
Beauduin foi um homem de ação e atuou mais na pastoral litúrgica nas paróquias,
tentando levar as pessoas a uma participação na missa paroquial, criando uma revista
Questions Liturgiques (1910), realizando semanas litúrgicas destinadas à mentalização do
clero.
A expansão do movimento litúrgico ficou um tanto paralisada no decorrer das duas
guerras mundiais, voltando a propagar-se com mais vigor nos respectivos períodos
pós-guerra. Contribuíram para essa difusão pastoral, na Bélgica, além da abadia de Monte
César, a de Santo André; na França, o Centro de Pastoral Litúrgica de Paris; na área
germânica, a abadia de Maria Laach, o Instituto de Liturgia de Tréveris, Pio Parsch e os
cônegos regulares de Klosteneuburg; e, em toda a Igreja, os congressos Internacionais de
Liturgia.
Um ponto que chamou a atenção nesse movimento litúrgico foi o das relações entre
liturgia e compromisso cristão. Nas sessões de estudo, organizadas pelo Centro de Pastoral
Litúrgica de Paris, depois da Segunda Guerra, reuniam-se especialistas em liturgia e
sacerdotes dedicados ao ministério em meios rurais e urbanos, bairros e centros das
cidades, na Ação Católica em geral e nos movimentos especializados. Nessas reuniões,
aparecia com freqüência o desejo de uma maior inserção dos valores mundanos na liturgia
da Igreja, bem como de uma maior acomodação do culto às novas situações européias e
dos países de missão. Em conseqüência, foi vivamente discutido o problema da língua
litúrgica.
Assim, o movimento passava do clima restauracionista de Guéranger para outro
clima reformista. Contudo, os grandes pioneiros litúrgicos, como Beauduin, foram
reformadores, mas não reformistas, não tendo enveredado pelos caminhos da livre
experimentação litúrgica, abertos por indivíduos e grupos entre o segundo período
pós-guerra e os nossos dias.
7.3 – O magistério da Igreja sobre a liturgia
- Dois papas se sobressaem nesse magistério, Pio X e Pio XII
Pio X se distinguiu pelo seu interesse litúrgico já antes de chegar ao supremo
pontificado. Três meses depois da eleição como Papa, tornou público o motu próprio Tra li
sollecitudini (1903), destinado a renovar a música religiosa e restaurar o gregoriano. Dois
anos depois, promulgou o decreto Sacra tridentina synodus (1905), para fomentar a
comunhão freqüente e, cinco anos mais tarde, o decreto Quam singulari (1910), para
promover a admissão das crianças à comunhão em tenra idade. Em 1911, publicava a
constituição apostólica Divino aflanti, sobre a reforma do breviário e a revalorização da
liturgia dominical.
Três linhas claras aparecem no magistério litúrgico de Pio X: a renovação da
música sagrada, porque “não devemos cantar e orar na missa, mas cantar e orar a missa”; a
aproximação entre batizados e a comunhão eucarística que rompeu um distanciamento de
séculos entre os fiéis e o comungatório e aplainou o caminho para a participação
sacramental da eucaristia, mesmo que a catequese oferecida acerca dessa comunhão
devesse ser aperfeiçoada; a reforma do ano litúrgico e do breviário.
A partir de Pio X e de Beauduin, a participação ativa será o objeto da pastoral
litúrgica.
No amplo magistério de Pio XII, dois documentos se destacaram: a encíclica
Mediator Dei, considerada “a carta magna” do movimento litúrgico e o discurso aos
participantes do Congresso Internacional de Pastoral Litúrgica celebrado em Assis (1956).
Alguns dados da renovação litúrgica efetuada por Pio XII: Instrução sobre a
formação do clero no ofício divino (1945); a extensão ao sacerdote, em alguns casos, da
faculdade de confirmar (1946); a multiplicação dos rituais bilíngües, sobretudo a partir de
1947; a determinação da matéria e forma do diaconato, do presbiterato e do episcopado
(1948); a reforma da vigília pascal (1951) e do jejum eucarístico (1953 e 1957); nas
mesmas datas, a introdução das missas vespertinas; a reforma da Semana Santa (1955);
lecionários bilíngües, a partir de 1958. A obra do papa Pacelli é coroada, em 1958, com a
Instrução sobre a música sagrada e a liturgia, nos termos das encíclicas Musicae sacrae
disciplinae e Mediator Dei.
- Os conteúdos fundamentais da Mediator Dei:
A teologia da liturgia como culto público integral do corpo místico de Cristo, da
cabeça e dos membros, e como presença privilegiada da mediação sacerdotal de
Cristo-Cabeça.
A espiritualidade da liturgia, a dimensão interior e profunda do culto da Igreja:
“Estão inteiramente equivocados aqueles que consideram a liturgia como mero lado
exterior e sensível do culto divino ou como cerimonial decorativo; e não o estão menos
aqueles que pensam ser a liturgia o conjunto de leis e preceitos com que a hierarquia
eclesiástica configura e ordena os ritos”.
O equilíbrio teológico, não oportunista, entre panliturgismo e subestimação do
culto; piedade objetiva e subjetiva; comunitarismo e individualismo; celebração e culto da
eucaristia; progressismo e conservadorismo
A encíclica possui alguns pontos teologicamente não definidos nela:
A ausência do desdobramento adequado da doutrina sobre o sacerdócio dos fiéis,
fundamento da participação litúrgica; uma teologia por vezes inacabada de tendência
extrínseca, dos signos simbólicos com que a liturgia é celebrada; a compreensão parcial do
adágio lex orandi, lex credendi, visto apenas como reflexo da fé da Igreja e não como, ao
mesmo tempo, amadurecimento desta, já que oramos de acordo com a maneira como
cremos e também cremos segundo o modo pelo qual oramos; a apresentação talvez
ambígua do ano litúrgico, no tocante ao seu estilo mistérico e ao seu sentido moralizador.
IV – A LITURGIA NOS DOCUMENTOS DA IGREJA
1 – O Sacrosanctum Concilium
Introdução
O Sacrosanctum Concilium tem o seu modo característico de tratar o discurso sobre
liturgia. O argumento litúrgico não aparece como a conclusão de um discurso sobre a natureza
do culto sob o aspecto genericamente religioso, e sobre as formas da sua atuação. Ao abandonar
este método de reflexão, até então seguido de forma geral, o Sacrosanctum Concilium situa a
liturgia no contexto da revelação, como “história de salvação”. A obra da salvação, continuada
pela Igreja, se realiza na liturgia (cf. SC n.6). Desta forma a liturgia se apresenta como
verdadeira “tradição”, ou seja, transmissão do mistério salvífico de Cristo através de um rito, de
uma forma sempre nova e adequada à sucessão dos tempos e à diversidade de lugares. As que
denominamos “tradições” litúrgicas são consideradas da forma que realmente são: interpretações
do rito, condicionadas, ao menos em parte, pelo tempo e lugar que surgiram. Desta consideração
resultam a legitimidade e a necessidade da atualização litúrgica.
Se a Igreja tem a obrigação de conduzir os homens de todos os tempos à salvação, isto
implica a capacidade de a própria Igreja aceitar e adaptar-se às mutações da história.
A visão “estático-jurídica” é superada, direcionando a liturgia para uma perspectiva
dinâmico-teológica: a liturgia é considerada sobretudo como a própria ação de Cristo no seu
Corpo que é a Igreja (SC n.7). Cristo é o agente principal no rito e com o rito. Volta-se assim à
linha original da liturgia, que é sacramental e que continua o mistério de Cristo na forma de
mistério cultual.
O Sacrosanctum Concilium se posiciona decididamente num plano teológico. O
interesse do documento se concentra não nos ritos em si, mas no conteúdo de fé que eles devem
exprimir. Pela primeira vez um Concílio enquadrou as liturgia numa perspectiva estritamente
teológica e a resgatou de um simples e limitado ritualismo.
O SC foi aprovada na aula conciliar do dia 4 de dezembro de 1963. Foi o primeiro
documento promulgado pelo Vaticano II.
1 - Objetivos da Reforma
Os objetivos desta reforma litúrgica estão na introdução do documento:
a) Fomentar mais a vida cristã entre os fiéis.
b)Acomodar melhor às necessidades de nossa época as instituições que são suscetíveis
de mudanças.
c) Favorecer tudo o que possa contribuir para a união dos que crêem em Cristo.
d)Promover tudo o que conduz ao chamamento de todos ao seio da Igreja.
2 - Os princípios da renovação litúrgica do Vaticano II
a) O princípio da participação ativa, plena e consciente do povo.
As leis litúrgicas e a própria construção das igrejas foram criando a separação entre o
clero e o povo na liturgia.
Nada menos que 25 números do SC falam da necessidade de participação dos fiéis na
liturgia (11, 12, 14, 18, 19, 21, 27, 30, 31, 33, 41, 48, 50, 53, 54, 55, 59, 79, 100, 113, 118, 121,
124). Nesses números se fala da participação ativa e frutuosa, consciente, plena, fácil, piedosa
interna e externa. Se fala também do dever dos pastores de almas de promover a participação.
b) O princípio da natureza comunitária da liturgia.
A natureza da Igreja é ser comunidade. A liturgia é uma ação da Igreja. A assembléia
litúrgica é a reunião dos irmãos da mesma comunidade. Os irmãos reunidos em liturgia
manifestam de maneira mais concreta e visível a comunidade que eles formam (SC 26,27).
c) O princípio da descentralização na liturgia.
Tudo depende de Roma. Agora o documento diz que o bispo possui autoridade e é o
primeiro responsável pela liturgia na sua diocese. O documento também autoriza as
Conferências episcopais dispor sobre assuntos de liturgia. Só que faz um alerta para que
ninguém, mesmo sacerdote, acrescente, mude ou tire por própria conta alguma coisa da liturgia
(SC 22,44).
d) O princípio da adaptação da liturgia.
Tudo dependia de Roma e por isso estava tudo determinado, uniformizado. O número
37 fala da adaptação, mas este item será mais desenvolvido adiante.
A liturgia deixa de ser uma mera execução de um formulário. Ela deverá ser uma
contínua celebração adaptada ao povo.
e) O princípio de fidelidade à tradição.
Adaptar não significa desprezar a tradição. Conhecer cada parte da liturgia que vai ser
reformada (SC 23).
3 - Os critérios da reforma litúrgica
Após ter esclarecido a natureza e as características essenciais da liturgia da Igreja, O
Sacrosanctum Concilium enfrenta o problema da reforma propriamente dita da liturgia (nn.
21-40). Os critérios que inspiraram esta reforma se apoiam antes de tudo num dado fundamental
de natureza teológica, corroborado também pelo estudo da evolução histórica das formas
cultuais: “Pois a Liturgia consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes
suscetíveis de mudança. Estas com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se
nelas se introduzir algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria liturgia, ou se
estas partes se tornarem menos aptas”(SC n.21).
Uma vez estabelecido este dado principal, o documento conciliar passa a indicar os
critérios que devem guiar o encaminhamento da reforma.
a) Inteligibilidade dos textos e dos ritos por parte dos fiéis
Este princípio deve, porém, harmonizar-se com o caráter mistérico da mesma liturgia,
ligada intimamente ao objetivo revelado, e portanto à palavra de Deus. Dessa consideração
derivam a abertura de uma parte mais ampla para a língua vulgar, mais leituras da Escritura, a
sonhada simplicidade e linearidade da celebração, a funcionalidade do ambiente no qual se
desenvolve a ação litúrgica e a necessidade de uma iniciação adequada ao sinal litúrgico.
b) Ligação ente tradição e progresso
A íntima relação entre tradição e liturgia exige, num mundo em contínua transformação,
que “as novas formas, de um certo modo, brotem como que organicamente daquelas que já
existem”(SC n.23). A Igreja não inventa sempre ex toto novas forma litúrgicas e novos ritos, mas
os renova e recria no sulco da sua tradição.
c)Dimensão eclesial da celebração
“As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o
sacramento da unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC
n.26).
Deste caráter comunitário-hierárquico da liturgia, como também do fato que ela sempre
é celebrada no seio de uma comunidade local concreta, derivam alguns corolários para a atuação
da reforma; especialmente: a preferência da celebração comunitária, a exigência de uma
participação plena, consciente e ativa dos fiéis, a necessidade da adaptação da liturgia, não
somente a índole e às tradições dos vários povos, mas também às circunstâncias de cada
assembléia particular.
d) Competência da hierarquia na reforma
O Sacrosanctum Concilium, embora reafirmando o princípio de uma unidade
substancial e da centralização, estabelece que sejam delegados vários poderes no campo litúrgico
às conferências episcopais nacionais e a cada bispo, naquilo que interesse diretamente cada
nação e cada diocese (SC n.22).
O Vaticano II volta, pelo menos em parte, à situação anterior ao Concílio de Trento, que
atribuía, em certos aspectos e em alguns pontos, aos bispos a responsabilidade pela celebração,
pela sai regulamentação e pela sua execução.
4 - Tópicos doutrinais sobre a natureza da liturgia
Tomamos como ponto de partidas um texto fundamental do Sacrosanctum Concilium,
na qual encontramos uma definição-descrição da liturgia: “A liturgia é tida como o exercício do
múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo
peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral
pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros” (n.7).
Este conceito de liturgia deve ser interpretado no contexto doutrinal mais amplo da
mesma constituição conciliar e completado com a contribuição de outros documentos do
Vaticano II, principalmente com a doutrina da Constituição sobre a Igreja Lumen Gentium. Sem
pretender oferecer aqui uma descrição completa e detalhada do mistério litúrgico, indicamos
aqui algumas das suas dimensões doutrinais que o Sacrosanctum Concilium põe em destaque.
a) Liturgia e economia sacramental da salvação
Orígenes (+ 253) organizou a visão do cristianismo em torno da noção central de
mysterion. Para o alexandrino, “mistério” é uma realidade divina mediata, isto é, manifestada e
comunicada através de sinais visíveis. O mistério primordial é Cristo, pois nele a humanidade é
sinal que manifesta e comunica a realidade divina. Como procedente do mistério de Cristo,
temos o mistério da Escritura, encarnação sui generis do Verbo. Do mistério de Cristo deriva em
seguida o mistério da Igreja, sinal e instrumento de salvação, e o mistério cultual que exprime de
maneira privilegiada a atividade salvífica de Cristo na sua Igreja.
Nos sécs. IV-V o termo “mistério” indica, na Igreja grega, toda a atividade litúrgica da
Igreja: os ritos propriamente sacramentais (Batismo, Eucaristia, etc.) e os demais ritos. A Igreja
latina, ao invés, exprime a mesma convicção, empregando antes o termo grego mysterion, em
seguida traduzido por sacramentum. Os mesmos Padres latinos usam os dois termos como
sinônimos e os aplicam às mesmas realidades: Cristo, Escritura, Igreja, ritos sacramentais e
cultuais em geral. Do séc. XII em diante, a qualificação de “sacramento” foi atribuída somente
aos sete grandes sinais sacramentais.
Todos sabem que a Teologia, já nos anos anteriores ao Vaticano II, retomou novamente
a grandiosa visão dos Padres da Igreja. Os sacramentos propriamente ditos são considerados
como formas destacadas de mais vasta sacramentalidade da Igreja, que se exprime através de
formas e graus diferentes. O Vaticano II assumiu este conceito sacramental e o estabeleceu como
fundamento das constituições Sacrosanctum Concilium e Lumen gentium. “Do costado de Cristo
morto na cruz brotou o admirável sacramento de toda a Igreja” (cf. SC n.5; SC n.26; LG nn. 9,
48, 59, etc.). Cristo instituiu a Igreja à imagem da encarnação, de modo que fosse humana e
divina e que nela se completasse a salvação dos crentes, principalmente por meio dos
sacramentos, que não devem ser separados da estrutura global da liturgia, da qual são o núcleo e
o centro. Os gestos, as palavras, os objetos, os elementos, as pessoas, os tempos e os lugares que
entram na ação litúrgica estão ligados à sacramentalidade da Igreja.
b) Liturgia e mistério pascal
O enquadramento da liturgia na economia sacramental da salvação tem, entre outras
conseqüências, a de atribuir um destaque marcante ao mistério pascal. O culto cristão é o culto
que Cristo começou na sua vida mortal, e que conduziu à realização definitiva com sua morte e
ressurreição e que prolonga na Igreja como sua cabeça celeste. Tudo isso é exposto pelO
Sacrosanctum Concilium nn. 5-6.
O Sacrosanctum Concilium n.5, ao descrever as diferentes épocas da revelação do
desígnio salvífico de Deus na história, conclui reconhecendo em Cristo a atuação concreta deste
desígnio. A redenção-salvação dos homens é esboçada no Antigo Testamento, começa na
encarnação do Filho de Deus e se cumpre no momento da morte-ressurreição-ascensão de Cristo.
A encarnação é um evento progressivo. Não consiste somente no fato do Natal. Começa no seio
da Virgem, continua durante toda a vida terrena de Jesus, na sua morte na cruz e culmina na
ressurreição. Portanto, o eixo e o centro de todo o plano criador e salvador do Pai é o Cristo
glorioso.
Ao sublinhar as sucessivas fases do plano salvífico de Deus, o Sacrosanctum Concilium
afirma que ela foram realizadas em Cristo e por Cristo “especialmente por meio do mistério
pascal da sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição da morte e Ascensão gloriosa” (n.5). Com
esta afirmação a Páscoa de Cristo, ou seja, a realidade da redenção operada por Cristo
(reconciliação do homem com Deus e perfeita glorificação de Deus), é colocada não só no centro
da história da salvação, mas também no centro da liturgia da Igreja.
De fato, a história da salvação, que se concretizou no mistério de Cristo, encontra o seu
cumprimento, a sua realização e o seu centro na Páscoa, não somente como momento histórico,
mas também como acontecimento ritual daquele fato histórico.
O Sacrosanctum Concilium, justamente ao falar da atuação do mistério pascal de Cristo,
através dos sinais rituais, introduz o discurso sobre liturgia, que é considerada fundamentalmente
como atuação da salvação realizada por Cristo no mistério de sua Páscoa (n.6).
c) Liturgia e Igreja
A liturgia é “obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja”. O movimento
litúrgico clássico já definira a liturgia como “Culto da Igreja”. Também nos documentos mais
respeitáveis do magistério que precederam de perto o Vaticano II, como se pode verificar nas
encíclicas de Pio XII Mystici Corporis e Mediator Dei, liturgia e eclesiologia são inseparáveis. A
eclesiologia destes documentos, porém, é sobretudo a da sociedade perfeita, embora na sua
versão mais refinada.
A eclesiologia do Vaticano II, ao invés, é sobretudo eclesiologia de comunhão, que
coloca em primeiro plano a natureza da Igreja como comunhão ontológica, sacramental e
sobrenatural de vida divina.
Tudo isso aparece claramente no Sacrosanctum Concilium, mas sobretudo nos
documentos conciliares posteriores particularmente na Lumen Gentium, Presbyterorum Ordinis
e Gaudium et Spes.
No Sacrosanctum Concilium afirma-se: “As ações litúrgicas não são ações privadas,
mas celebrações da Igreja, que é o ‘sacramento da unidade’, isto é, o povo santo unido e
ordenado sob a direção dos bispos”(n.26). A relação que aqui se estabelece entre liturgia e Igreja
pretende superar a relação, até então dominante, entre liturgia e Igreja hierárquica. A Igreja, povo
de Deus na sua totalidade, é o lugar em que Cristo exerce o seu sacerdócio, ou seja, o
instrumento eficaz da união íntima do homem com Deus.
d) A Liturgia e a escatologia
A ação de Cristo na Igreja é orientada para a plenitude escatológica. No fim da sucinta
exposição teológica sobre a natureza da liturgia, o Sacrosanctum Concilium afirma: “Na liturgia
terrena, antegozando-a, participamos da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de
Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos. Lá Cristo está sentado à direita de Deus...
e suspiramos pelo Salvador. Nosso Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa vida, se manifeste e
nós apareçamos com ele na glória”(n.8).
Neste texto adquire primazia a contemporaneidade do eterno no presente e da
comunhão entre a Igreja peregrina e a celeste, sempre porém na dimensão de espera; a ligação é
processada pela presença do Senhor: Ele “está sempre presente na sua Igreja e, de maneira
especial, nas ações litúrgicas”(SC n.7), mas ainda virá na glória.
No capítulo sobre “a índole escatológica da Igreja peregrina e sua união com a Igreja
celeste”, a Lumen Gentium se enriquece abundantemente nas fontes da revelação e na vida da
Igreja como se manifesta na liturgia. Aqui também se acentua com destaque vigoroso o aspecto
de comunhão e portanto sobre a dimensão do começo, ainda nesta terra, da vida futura, como
primícia e garantia e sobre a participação, na comunhão dos santos, na vida da Igreja celeste. O
lugar desta participação e comunhão é sempre a liturgia, especialmente a eucarística.
5 - A execução da reforma litúrgica
A reforma litúrgica foi executada, passando através de três fases principais: a passagem
gradual do latim para a língua viva (1965-1966), que teve um período de tempo mais amplo do
que o previsto pelo Sacrosanctum Concilium n.36, como sinal de fidelidade mais ao espírito do
que à letra do documento conciliar; a revisão dos livros litúrgicos e a progressiva publicação dos
novos, com a respectiva tradução, iniciada em 1969; a terceira, mais complexa e delicada –
iniciada com timidez e ainda não encerrada – da adaptação dos ritos, confiada às Conferências
Episcopais, sob a orientação dos organismos centrais da Santa Sé.
É preciso acrescentar, além da participação oficial, o esforço pelo conhecimento mais
profundo e pela divulgação, realizado por revistas especializadas, organismos promocionais,
instituições culturais, associações e peritos, com o objetivo de auxiliar a comunidade eclesial a
penetrar na compreensão plena e estimular a diligente aplicação da mesma reforma.
2 - MEDELLIN
O documento de Medellin, em seu capítulo 9, começa reconhecendo que a renovação
litúrgica é lenta e que o clero ainda desconhece o conteúdo da reforma. “Em geral é
insuficiente”. A aplicação da reforma é dificultada pela variedade das culturas (línguas, sinais).
O Bispo não exerce de forma eficaz seu papel litúrgico, de promotor, regulador e
orientador do culto. A liturgia não está integrada organicamente na educação religiosa.
A liturgia visa a glória do Pai, mas essa mesma glória comunica-se aos homens. Por
isso que a liturgia precisa ser fonte de fé, de transcendência, de fortalecimento do espírito
comunitário, ser uma mensagem de alegria e esperança e que desperte o ser missionário de todos
os cristãos.
“Para que a liturgia possa realizar, em plenitude, esses objetivos, necessário se faz:
Uma catequese prévia sobre o mistério cristão e sua expressão litúrgica;
adaptar-se ao gênio das diversa culturas e encarnar-se nele;
acolher, portanto, positivamente, a pluralidade na unidade, evitando erigir a priori, a
uniformidade como princípio;
manter-se numa situação dinâmica que acompanhe tudo o que houver de são no
processo de evolução da humanidade;
conduzir a uma experiência vital da união entre a fé, a liturgia e a vida cotidiana, em
virtude da qual chegue o cristão ao testemunho de Cristo”.
3 - PUEBLA
Puebla diz que, em geral, a renovação litúrgica está dando resultados positivos e que
está ocupando o lugar privilegiado na evangelização pela participação e compreensão dos fiéis
(896).
Só que logo em seguida diz que sente a necessidade de adaptar às diversas culturas e à
situação de nosso povo jovem, pobre e humilde (899).
Dentro da pastoral de conjunto, a liturgia ainda não ocupa seu lugar de destaque. Falta
um aprofundamento da formação litúrgica do clero e ausência de catequese litúrgica destinada
aos fiéis (901).
Um aspecto muito interessante é a cobrança que o documento faz em relação a uma
liturgia que compromete com o social. A liturgia não pode ser instrumentalizada e não pode ficar
alheia à situação de injustiça do nosso povo latino-americano (902).
A liturgia precisa ser o ponto culminante da Igreja. Ela deve ser celebrada como
encontro com Deus e com os irmãos, deve ser uma festa de comunhão eclesial, força em nosso
peregrinar e compromisso de vida cristã (938-939).
4 - SANTO DOMINGO
Nos documentos preparatórios para a Conferência de Santo Domingo, a liturgia não
recebeu muito espaço. Temia-se por um retrocesso ou pela simples ausência de reflexão sobre
esse tema.
Para a surpresa de todos, o documento fala mais de liturgia que Medellin e Puebla.
O documento tem três partes: na primeira parte, os bispos quiseram começar o texto
por uma confissão de fé que serve de introdução geral. É um texto mais dogmático e teórico do
que litúrgico ou orante. Depois desta introdução geral há “um olhar a partir dos 500 anos”, que
evita olhar seriamente a história. A Segunda parte é a maior e a mais importante. Tem como
título “Jesus Cristo evangelizador, vivente em sua Igreja”. Esta parte tem três capítulos: o
primeiro é sobre a “nova evangelização”. O segundo trata da “promoção humana” e o terceiro é
sobre “a cultura cristã ”. Finalmente a terceira parte do documento traça as linhas e opções
pastorais.A questão da liturgia aparece em diversos números do texto e de um modo às vezes
fragmentário (cf. nn. 34,35,43,51 e 53). Além destes números, há referências ao culto em vários
outros números (cf. nn. 58, 61, 71, 145, 151, 152, 248, 249, 254).
O capítulo que trata propriamente da liturgia é o capítulo I da Segunda parte e o faz no
âmbito da nova evangelização e refletindo sobre a santidade da Igreja.
Nas linhas pastorais os bispos propõem:
intensificar uma maior formação litúrgica do povo dos agentes de pastoral;
valorizar mais o Domingo;
cuidar para que nas celebrações se integrem melhor os acontecimentos da vida
(51-52);
valorizar as expressões da piedade popular e adotar formas, sinais e ações próprias
das culturas latino-americanas;
promover a inculturação da liturgia à realidade das comunidades indígenas (n. 248),
negras (n. 249) e dos jovens (n. 117).
Creio que a grande novidade de Santo Domingo foi a questão da inculturação litúrgica.
No documento todo se percebe que a Igreja na América Latina quer levar a sério a questão da
cultura em todos os níveis e sobretudo no nível litúrgico que é onde as comunidades se
expressam.
Santo Domingo enfatiza a necessidade de revigoramento das igrejas a partir das
celebrações, no que diz respeito à cultura negra e indígena. O Papa João Paulo II, no discurso
dirigido à comunidade negra em Santo Domingo, disse: “Eu exorto essa população negra da
América Latina e do Caribe, a manter os seus costumes, a ter presente isso nas suas celebrações,
a ser uma Igreja com fisionomia própria”.
5 - ANIMAÇÃO DA VIDA LITÚRGICA NO BRASIL
(DOC. 43 – CNBB)
O documento começa por apresentar uma visão geral da caminhada litúrgica no
Brasil a partir do Concílio Vaticano II, realçando dois aspectos: uma visão de conjunto das três
décadas e os desafios atuais.
O documento Sacrosanctum Concilium foi acolhido com entusiasmo, pois as
mudanças foram visíveis, como: a liturgia no vernáculo, o altar mais no centro e o padre voltado
para o povo, ritos simplificados.
Começam os cursos de liturgia por toda a parte, onde se insistiu na participação
ativa dos fiéis; as novas funções, os ministérios litúrgicos; a liturgia sendo descoberta como
cume e fonte da vida da Igreja.
Lá pelos anos 70 surgem os novos livros litúrgicos, a abertura da Igreja para a
dimensão social tem conseqüência na liturgia. Nas CEBs há uma nova reflexão Cristológica e
Eclesiológica que inova a maneira de celebrar a Fé.
Nessa época há também elementos negativos, como a deficiente formação litúrgica nos
seminários e a insuficiente reciclagem oferecida ao clero.
Nos anos 80 destaca-se a pesquisa sobre a situação da vida litúrgica no Brasil (1983), a
ampla avaliação das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da CNBB (1987) e o estudo provocado
pelo instrumento de trabalho “por um novo impulso à vida litúrgica” (1988).
Se percebe um certo cansaço no campo da liturgia e, por outro lado, se busca soluções
mais profundas. Persistem a deficiente formação litúrgica dos agentes em todos os níveis.
Um dado surpreendente na avaliação feita foi a constatação de que 70% das
celebrações, no Dia do Senhor, são realizadas por comunidades que vivem e celebram sua fé
sem a presidência de um ministro ordenado.
Os desafios (nn. 28-35):
Participação: o Concílio preconiza a participação ativa, consciente e frutuosa. Como
promovê-la sempre mais? Até que ponto os meios atuais, como folhetos, cantos, símbolos,
concorrem ou impedem essa participação?
Criatividade e adaptação: a participação reclama criatividade e adaptação. Como
ampliar as oportunidades existentes na liturgia para isso?
Civilização urbano-industrial: a maioria do nosso povo vive na cidade secularizada e
massificada pelos Meios de Comunicação Social. Que símbolos, gestos e sinais serão realmente
significativos dentro deste novo contexto?
A Palavra de Deus: A Palavra de Deus é sempre eficaz e transformadora (cf. Is
55,10-11 ñ Hb 4,12). O que falta para que as assembléias litúrgicas levem a maior compromisso
de fé e melhor ligação entre fé, Palavra e vida?
O Ano Litúrgico: como superar o paralelismo entre as celebrações do Ano Litúrgico e
os dias, semanas e meses temáticos (Mês da Bíblia, Dia das Missões, Mês Vocacional ...)?
Piedade Popular: como redescobrir a riqueza da religiosidade popular e integrá-la na
liturgia?
A Aculturação e Inculturação: como concretamente levar a adiante o processo de
aculturação e de inculturação desejado pelo Concílio, para que se chegue a uma expressão
litúrgica sempre mais de acordo com a índole do povo brasileiro constituído de tantas etnias?
Todos esses desafios deixam claro quanto e como é necessário desencadear um
processo de formação litúrgica sistemática e permanente. Formação que se baseia na
compreensão teológica da liturgia e faça superar tanto o neo- rubricismo quanto a improvisação
arbitrária.
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